Os 100 anos da Salton
Para festejar um século de fundação, que será completado em agosto, a tradicional vinícola gaúcha Salton vai lançar dois vinhos especiais, que confirmam seu desenvolvimento nos últimos anos. Ambos levam o nome de Centenário. Um deles é um tinto macio e elegante. O outro, um espumante espetacular, estilo em que a empresa se destaca como o maior produtor do país. Os dois vinhos comemorativos foram apresentados a jornalistas que visitaram a sede da vinícola em Tuiuty, distrito de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, já como parte dos festejos dos 100 anos. Nada mais indicado do que estas datas marcantes para fazer um balanço do passado e projetar o futuro. “Ou paramos, e vamos ser engolidos pela concorrência, ou crescemos. E nós decidimos crescer”, afirmou o atual presidente do grupo, Daniel Salton, 55 anos. Na visita, todos recordaram a figura de Ângelo Salton Neto, o propulsor do crescimento e modernização da empresa, desaparecido precocemente no ano passado.
Hoje a Salton produz 23 milhões de garrafas por ano. Mais importante que a decisão de expandir a produção é a meta de crescer principalmente no setor de vinhos finos, reduzindo a participação dos vinhos de mesa, feitos com uvas híbridas, não viníferas. Muita gente torce o nariz para estes rótulos simples e populares, mas eles são parte da história da Salton e sustentaram o sonho da família quando resolveu apostar em produtos de qualidade. Foi uma longa trajetória, acompanhando os altos e baixos vividos pela vinicultura nacional. A saga da família começou em 1878, com a chegada ao Rio Grande do Sul do imigrante italiano Antonio Domenico Salton, vindo de Cison di Valmarino, comuna da província de Treviso, no Vêneto. Instalou-se na Colônia Dona Isabel, hoje Bento Gonçalves, onde mais tarde abriu um armazém de secos e molhados em frente à Igreja Matriz de Santo Antônio. Em 1910, os filhos ampliaram o negócio, dedicando-se também à produção de vinhos. Depois de dificuldades nos anos 1930, por causa da recessão mundial, a vinícola conheceu forte prosperidade. Ribeiro lembra que entre as décadas de 40 e 50 o espumante ganhou importância no Brasil. “As garrafas de Champagne Salton tinham muito glamour”, ressalta o diretor de Vendas. O rótulo era grafado assim mesmo, com o nome hoje reservado exclusivamente ao espumante francês.
Já bastante conhecida, a empresa tornou-se fornecedora de vinhos para a Presidência da República, o que originou o surgimento do Champanhe Presidente e de tintos e brancos com a mesma marca. Em seguida nasceu o Cognac Presidente, então um bem cuidado destilado de vinhos, envelhecido em barricas. Depois veio a popularização. Para enfrentar os preços baixos praticados pela concorrência, a casa aderiu à receita dos chamados conhaques de gengibre, na verdade feitos a partir de cana-de-açúcar. Chegou a produzir 20 milhões de garrafas por ano. Nos anos 70, nova crise, por conta da inflação galopante que corroia a economia do país. Naquele tempo, curiosamente, o brasileiro bebia mais vinhos brancos. Os tintos representavam apenas uns 20% da oferta. Todo mundo produzia brancos suaves, adoçados com açúcar de cana. A Salton tinha o branco Sonnenberg, a partir de uvas viníferas de segunda linha, e um tinto parecido, o Castell Chombert.
As empresas vendiam o que produziam, sem a presença incômoda dos estrangeiros, pois a importação era proibida. A facilidade cessou na década de 1990, quando o governo Collor abriu o mercado. O intempestivo presidente dizia que nossos carros pareciam carroças e os vinhos eram muito ruins. O país foi inundado por tintos e brancos de fora, a maioria sem grande qualidade. Passamos o ciclo dos brancos alemães de garrafa azul e dos populares tintos italianos Bolla, Valpolicella e Corvo. Em vez de evoluir, para enfrentar a concorrência, a representação nacional deu mais um passo para trás. Os vinhos populares da Salton custavam R$ 1,99. Os supermercados forçavam os fornecedores a manter o preço baixo, o que tornava inviável continuar oferecendo tintos e brancos com uvas viníferas. Nasceu assim o Chalise, com castas híbridas, outro carro-chefe da Salton. A bem da verdade, é preciso lembrar que a vinícola utilizou tecnologia nova para retirar desses vinhos as leveduras mortas e as toxinas que custavam a dor de cabeça do consumidor no dia seguinte. Era portanto um vinho de garrafão melhorado.
Tudo começou a mudar, finalmente, entre 1995 e 2000. O irrequieto presidente Ângelo Salton, da terceira geração da família, sentiu que era a hora de avançar e deu a ordem com que o enólogo Lucindo Copat sonhava há muito tempo: “Vamos produzir um grande vinho, faça o que você achar melhor”. Assim nasceu a nova Salton, ainda sustentada pela solidez das vendas do Conhaque Presidente e do Chalise. Copat não perdeu tempo. O primeiro produto a chamar a atenção da imprensa especializada para a mudança foi o espumante. Em 1995 a casa vendeu 6,5 mil caixas (de seis garrafas) do Salton Brut; no ano seguinte, mesmo com preço maior para sinalizar um produto mais nobre, 14 mil caixas. Hoje, a vinícola comercializa 500 mil caixas anuais, nas três linhas que oferece – Brut, Demi-Sec e Moscatel; Reserva Ouro, Prosecco e rosé Poética; e o top Évidence. É lider deste segmento, com 40 % do mercado, o dobro da Chandon, referência em espumantes de qualidade no país. Depois vieram os novos tintos, atual preferência do consumidor. Surgiu a linha Classic. Ângelo não se conformava que a mídia destacasse apenas a evolução da concorrente Miolo e teve uma primeira vitória com o Classic Cabernet Sauvignon da excepcional safra de 1999. Outra, com a linha de varietais Volpi.
A essa altura as instalações no centro de Bento Gonçalves já estavam ultrapassadas e sufocavam a expansão pretendida. A família iniciou a implantação de nova cantina no distrito de Tuiuty, a 14 km da antiga sede, entregue em 2004. Com 30 mil metros quadrados construídos, e tecnologia de ponta, concentra ali todas as atividades industriais. Destaque para o imenso parque de tanques de inox, os maiores com capacidade para 60 mil litros, e para as caves, a oito metros de profundidade. Tempos atrás foi contratado como consultor o enólogo argentino Angel Mendoza. Da parceria com o experiente Lucindo Copat resultaram ótimos tintos, como o Talento (Cabernet Sauvignon, Merlot e Tannat) e Desejo (100% Merlot).
Recentemente, foi lançado o delicioso branco Virtude, de Chardonnay fermentada em barricas. Mendoza não está mais na casa e a empresa busca outro consultor, de preferência um enólogo especializado em espumantes. Depois do salto tecnológico, o investimento agora se volta para os vinhedos. A Salton tem 65 hectares de vinhas próprias em Bento Gonçalves e também compra uvas de 550 produtores associados, donos de mais 2 mil hectares na Serra Gaúcha e na Campanha, fronteira com o Uruguai – de onde vêm os cachos para seus vinhos topo de gama. “Hoje só usamos nos vinhedos clones selecionados, a partir de uvas escolhidas por sua qualidade e resistência”, explica Copat. Outra novidade é a presença da quarta geração na empresa, de que são exemplo as simpáticas e talentosas Luciana e Stella, filhas de Ângelo. Assim a Salton promove a saudável renovação que vai garantir seu futuro.
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