Entrevista Adolfo Hurtado – Cono Sur

by José Maria Santana | 05/08/2014 16:32

Estilo jovem

Revista GOSTO – 05/08/2014

 

Com apenas 27 anos Adolfo Hurtado se tornou o enólogo chefe da Cono Sur, braço moderno da gigante chilena Concha y Toro, e pouco depois foi nomeado gerente geral da empresa. Em menos de 20 anos sob seu comando, a vinícola cresceu, consolidou-se e hoje é a segunda maior exportadora de vinhos do Chile, atrás apenas da matriz. A Cono Sur surgiu em 1993 e desde o início assumiu posição em defesa do meio ambiente e da sustentabilidade. Começou em 2000 o programa de cultivo orgânico, que não utiliza defensivos ou fertilizantes químicos, em 40 hectares de sua sede, em Chimbarongo, 150 km ao sul de Santiago, no vale de Colchagua. Sem apego à tradição e com uma proposta nova, a empresa faz sucesso com suas linhas 20 Barrels, Reserva Especial e Bicicleta, além do excelente Ocio, um tinto de Pinot Noir.

 

Aos 44 anos, Adolfo Hurtado lidera uma equipe jovem. Casado, quatro filhos, ele também mantém a jovialidade, pelo estilo de vida e gosto pelos esportes. Pratica mountain bike e já correu duas maratonas completas (42,195 km). Nasceu em 1970 em Casablanca, onde seu pai era agricultor e criador de vacas. Estudou agronomia e enologia na Universidade Católica do Chile. Ao se formar, em 1994, trabalhou por três anos na Viña La Rosa, pequena vinícola do vale de Rapel, em Cachapoal, até ser convidado a se incorporar ao projeto Cono Sur. Pelo perfil e qualidade, os vinhos da marca têm uma boa imagem entre os consumidores brasileiros, embora a empresa tenha ficado praticamente um ano fora de nosso mercado. Retornou recentemente, pelas mãos de uma nova importadora, a La Pastina.

 

Hurtado esteve recentemente em São Paulo para lançar o novo tinto ícone de Cabernet Sauvignon da Cono Sur, o Silencio, uma seleção de distintas parcelas de vinhedos do Alto Maipo, vinificadas em separado em tanques pequenos. O vinho de cada tanque foi estagiado por 24 meses em barricas francesas novas. Depois de nove provas às cegas, deixando de lado as barricas, digamos, menos boas, foram escolhidas as nove melhores. Assim, o tinto Silencio representa o que de mais interessante a vinícola conseguiu na safra de 2010 no Alto Maipo. Tem 98% de Cabernet Sauvignon e 2% de Carmenère de Cachapoal. Durante a visita, Adolfo Hurtado concedeu esta entrevista a GOSTO, falando de seus vinhos e do momento atual da vinicultura chilena.

 

O que o levou à Cono Sur?

O diretor técnico da Concha y Toro na época era um senhor alemão chamado Goetz von Gersdorf. Ele dava assessoria à Viña La Rosa, onde eu era enólogo, e conhecia meu trabalho. Quando Eduardo Guilisasti, presidente da Concha y Toro, estava formando a equipe para a recém-criada Cono Sur, em 1997, Gersdorf me apresentou a ele. Lembro que no dia em que fui conversar, Eduardo me disse: “Cono Sur vai voar tão alto quanto tua imaginação seja capaz de fazê-la voar”. E assim foi.

 

Qual o tamanho da empresa naquele início?

Começamos muito humildemente, com cerca de 450 mil garrafas de vinho. Fomos crescendo aos poucos e hoje Cono Sur é a segunda maior exportadora de vinhos chilenos, atrás apenas da própria Concha y Toro. Este ano vamos produzir mais de 65 milhões de garrafas, com as marcas Cono Sur e Isla Negra.

 

Como era a filosofia da vinícola?

O diretor da empresa na época era um americano, Arthur Massolo, um gringo simpático e bem louco. Ele dizia que a Cono Sur deveria ser uma vinícola diferente, pois era nova e não tinha influência de tradição, de avô ou de famílias antigas, como tantas outras bodegas chilenas. Por isso desde o início nosso lema era “Sem árvore genealógica, sem garrafas empoeiradas, somente vinhos de qualidade”. Hoje a vinícola se assenta em três pilares – inovação, qualidade e sustentabilidade.

 

O que considera inovação?

Desde o início começamos a pesquisar uvas não muito comuns no Chile. Hoje a Cono Sur é o maior produtor da América do Sul de variedades como Riesling, Gewürztraminer e Viognier. E o maior produtor mundial de Pinot Noir, acima da França, da Nova Zelândia ou dos Estados Unidos. Temos 400 hectares de vinhedos com esta casta e no ano passado entregamos 5 milhões de garrafas de Pinot Noir.

 

Por que a aposta nestas castas?

Porque queríamos fazer algo diferente. O Chile sempre foi conhecido por seus brancos a partir de Sauvignon Blanc e Chardonnay, e tintos de Cabernet Sauvignon, Merlot e, depois, Carmenère. Quando a gente vê a diversidade de terroirs do Chile, do norte, onde há o deserto mais seco do mundo, até o sul, muito frio, percebe que temos potencial para produzir muitas variedades além das castas consagradas. Foi esta vantagem que quisemos aproveitar na Cono Sur, apostando em uvas exóticas.

 

Quantos hectares de vinhedos a empresa tem hoje?

São 1.700 hectares, em oito diferentes vales, de Limari, ao norte, a Bio Bio, no extremo sul. Entre um ponto e outro, dá uma distância de 1.100 km.

 

Como se consegue um vinho de qualidade?

Eu diria que 80% vem da qualidade das uvas, do manejo da vinha. Na cantina, cabe ao enólogo fazer um trabalho respeitoso para expressar esse potencial e não estragar o que veio do vinhedo, não deixar as uvas amadurecerem em demasia, não fazer super extrações. Por isso, acho que o mais importante é a origem das uvas. A idade das parreiras também conta, claro. Não é o mesmo produzir um vinho a partir de uma vinha jovem, do que de outra com 50 anos, que dá vinhos mais concentrados e equilibrados, pois ao longo do tempo a própria natureza se encarregou de fazer correções e baixar os rendimentos, essencial para produtos de qualidade.

 

Quando fala que a origem é fundamental, quer dizer que cada vale tem sua especialidade?

Lembro que o Chile, que no mapa parece estreito e comprido, tem uma diversidade de climas e solos bem maior de leste a oeste, do que de norte a sul. Isso porque o papel dominante na definição dos diversos terroirs chilenos é a proximidade, de uma lado, da Cordilheira dos Andes e, de outro, das águas frias do Oceano Pacífico, alimentadas pela Corrente de Humbolt. Mas é impossível pensar que uma zona geográfica sozinha vá produzir o melhor vinho de todas as castas. O trabalho que a enologia chilena fez, e está fazendo, é selecionar a melhor origem para cada variedade.

 

De onde sai o melhor Cabernet Sauvignon?

Na minha opinião, a melhor Cabernet Sauvignon do Chile vem da zona do Alto Maipo, onde produzimos nosso novo tinto ícone Silencio, e de onde saem também o Almaviva, Casa Real (Santa Rita), Don Melchor, Vinhedo Chadwick.

 

E os outros vales?

Quando pensamos em Sauvignon Blanc e Chardonnay, vamos a Casablanca, zona mais fria, perto do Pacífico, que favorece a maturação lenta dos cachos, sem perder a acidez. Se for Syrah, ao Limari, região desértica, mas que sofre influência das brisas frias do oceano. O melhor Riesling vem de Bio Bio, pelo clima frio e solo de areia e pedras, compacto, que mantém o frescor e a acidez das uvas. Com a Carmenère se dá o contrário. Precisa de temperaturas altas para amadurecer completamente e eliminar os aromas verdes característicos, e por isso se dá bem no vale de Rapel.

 

Qual a melhor região para Pinot Noir?

Esta é a minha uva preferida, pois o que me atrai em um vinho é a elegância, com estrutura. Com a Pinot Noir produzimos o Ocio, outro ícone da Cono Sur. A meu ver, a melhor zona é San Antonio, que está muito perto do mar, e é boa também para castas brancas. Casablanca é outra ótima área. A Pinot Noir, embora tinta, necessita das mesmas condições que as brancas para amadurecer. Prefere climas frios, que favorecem a maturação lenta, o frescor e a melhor expressão dos aromas. É seguramente por isso que na Borgonha só permitem duas cepas, Pinot Noir e Chardonnay.

 

O que espera para o futuro?

No início, o Chile era conhecido por vinhos de preço acessível e nível mais baixo. O que era uma vantagem virou talvez desvantagem, pois quando o consumidor quer um vinho melhor pensa em franceses, italianos. Mas o Chile tem condições excepcionais para produzir vinhos de qualidade. O clima mediterrâneo, a escassez de chuvas no verão, a ausência de pragas como a filoxera ou o míldio, convertem nosso país em um paraíso para a viticultura. É isso que temos que mostrar ao consumidor. Nossos vinhos premium têm tudo para agradar até os mais exigentes.

 

O que gosta de comer e com quais vinhos?

O Chile é rico em mariscos e pescados. Me encanta comer atum, salmão, corvina, ou frutos do mar, camarões, locos – um tipo de molusco local. Gosto muito, por exemplo, de Sea bass (que aqui vocês chamam de robalo), ou de Corvina com purê de batata e creme de abacate. A textura cremosa do purê e o toque de azeite do creme ficam ótimos com o peixe. Para acompanhar, um Pinot Noir. Se for um salmão, prefiro um Chardonnay amadeirado. Camarão vai bem com Riesling. Para os locos, Chardonnay.

 

E com um bife grelhado?

Em nossa culinária é muito popular o Lomo vetado, corte de contrafilé equivalente ao Bife ancho argentino, que tem linhas de gordura interna. É um prato potente, tem peso. Por isso, acompanho normalmente com um Cabernet Sauvignon, porque os taninos do vinho ajudam a diluir a gordura da carne.

 

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