Alcohuaz, os vinhos em pureza de Marcelo Retamal
O irrequieto enólogo chileno Marcelo Retamal esteve em São Paulo dias atrás para apresentar os vinhos de seu projeto pessoal, Viñedos de Alcohuaz, e causou impacto. Quem acompanha seu trabalho na vinícola De Martino não poderia esperar outra coisa: vinhos absolutamente puros, limpos, equilibrados, com mínimo de intervenção. Rótulos como Grus e Rhu certamente vão dar muito o que falar e vale conhecer. São distribuídos aqui pela importadora Decanter, de Adolar Hermann.
Marcelo Retamal está sempre atento a novas possibilidades da vinicultura chilena. Por exemplo, surpreendeu o setor há alguns anos, ao elaborar vinhos em velhas ânforas de argila no vale de Itata, no sul do país, resultando na excepcional linha Viejas Tinajas, da casa De Martino. Trabalha agora com vinhedos de altura, tema de interesse recente no Chile. Ao contrário da Argentina, que há muito explora o potencial das vinhas plantadas em altitudes elevadas, seus vizinhos sempre destacaram a influência das brisas frias vindas do Oceano Pacífico ou da Cordilheira dos Andes e apenas recentemente começaram a valorizar os campos plantados nos platôs mais altos.
Tudo é diferenciado no projeto Viñedos de Alcohuaz, a começar da escolha do local, o vale de Elqui, quase um deserto no norte do Chile, à vinificação, com pisa a pé em lagares de pedra e o amadurecimento apenas em ovos de concreto ou foudres de madeira velha. Os vinhedos, orgânicos, ficam em altitudes que chegam a 2.200 metros acima do nível do mar.
O vale de Elqui, a 480 km de Santiago, na altura da cidade de litorânea de La Serena, mas em direção à Cordilheira dos Andes, tem muita luminosidade e um dos céus noturnos mais limpos do mundo, com 300 dias sem nuvens por ano. Tanto que abriga pelo menos quatro importantes observatórios astronômicos internacionais.
Alcohuaz, no fundo de Elqui, também tem estas características – aliás, na língua indígena local Alcohuaz quer dizer “Céu claro”. Estes vales junto à Cordilheira dos Andes parecem possuir energias especiais. Nos últimos anos transformaram-se em destino de pessoas em busca de vivências energéticas, místicas e esotéricas, que ali construíram pirâmides e locais de meditação.
A força primitiva desta natureza poderosa e o clima extremo atraíram Marcelo Retamal, quando pensou em produzir os próprios vinhos. Ele não começou do nada, mas associou-se a um projeto anterior, iniciado por Alvaro Flaño e sua mulher, que chegaram a Alcohuaz em 1996. A região é tradicional produtora de uvas para fazer Pisco, o destilado que o Chile divide com o Peru. Em 2005, o casal começou a plantar uvas para fazer vinhos.
Retamal já conhecia o potencial da propriedade, pois de um de seus campos, que estão entre os mais elevados do país, vinham as uvas com as quais ele elabora o Syrah da linha Single Vineyard da De Martino.
O enólogo começou a desenvolver a nova vinícola em 2007. Com aprovação e apoio dos sócios Patricio Flaño (artista plástico filho de Alvaro), Fernando Vargas, Juan Luis Huerta e sua mulher, Helia Rojas, mudou tudo, da filosofia à seleção de castas plantadas. “Concordamos que era um projeto não para enriquecer e sim para nos tornar felizes e fazer vinhos que dão prazer em tomar”, diz Retamal, bem humorado.
No clima desértico de Elqui quase não chove – o índice pluviométrico médio é de apenas 100 mm por ano. Mas a região tem água para irrigar as plantações, proveniente do degelo das montanhas cobertas de neve. Outra influência vem das brisas frias do Pacífico, que entram por aberturas entre as montanhas. Em algumas partes de Elqui o solo é escuro, coberto por lava vulcânica. Já em Alcohuaz, há solos aluviais, com pedras e manchas calcárias.
Antes lá eram plantadas Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc, Carmenère. “Estas uvas tradicionais não se dão bem na região, por causa da grande radiação solar”, explica Retamal. Então ele optou por Garnacha (Grenache), Syrah e Petite Syrah (que se dão bem no Rhône francês), Malbec e Petit Verdot. Pretende experimentar também as brancas Roussanne e Marsanne – mais uma referência ao Rhône Norte, no qual o enólogo vê semelhanças com Elqui. O enólogo destaca especialmente o potencial da Syrah.
Os sistemas de condução buscam proteger as videiras da grande incidência de luz solar direta. Nestes vinhedos de altitude, as próprias uvas desenvolvem pele mais grossa, para suportar melhor a radiação.
Por isso Retamal passou a adotar a pisa a pé em lagar de granito. O movimento do pé humano, ao esfregar os cachos no chão áspero, consegue extrair mais rapidamente cor, ácidos e outros componentes que vão garantir a estrutura e longevidade do vinho, sem trazer junto elementos amargos e herbáceos. É o mesmo sistema usado há muito tempo em Portugal, especialmente no Douro. Para manter outra prática ancestral, o enólogo também comprou ânforas de barro na Geórgia, empregadas para fermentar e estagiar o vinho.
Hoje, Viñedos de Alcohuaz tem 18 hectares plantados e pretende chegar no máximo a 22 há., para conseguir um total de 120 mil garrafas, não mais. Retamal só usa leveduras nativas e procura oferecer vinhos frutados, sem excessos de extração, estrutura e álcool, equilibrados, com ótima acidez, bons para comida. Tintos clássicos, para durar muito.
O primeiro vinho chegou ao mercado em 2011. Atualmente a vinícola apresenta cinco rótulos: Grus, Rhu, Tococo, Cuesta Chica e La Era. Somente os dois primeiros são comercializados no Brasil pela importadora Decanter. Os demais têm produção bastante reduzida.
Os vinhos
Grus 2014
Viñedos de Alcohuaz – Vale de Elqui – Chile – Decanter – R$ 242 – Nota 92
Tinto de entrada da casa, é corte de 50% Syrah, 36% Garnacha, 13% Malbec e 1% Petite Syrah, de vinhedos entre 1.720 e 2.206 metros de altitude. As uvas foram pisadas em lagar de pedra e o vinho estagiou por um ano em ovos de concreto. Seus aromas, de grande pureza, lembram frutas, como cereja e framboesa, além de especiarias, com um toque mineral. Na boca é seco, equilibrado, mantém a fruta cheia e ótima acidez. Bastante fresco e limpo (13%). Foram produzidas 9.730 garrafas. A propósito, Grus quer dizer garça na língua indígena.
Rhu 2011
Viñedos de Alcohuaz – Vale de Elqui – Chile – Decanter – R$ 424 – Nota 93
O top da empresa mescla 73% Syrah, 18% Garnacha e 9% Petite Syrah, com pisa a pé em lagar e repouso por 30 meses em ovos de concreto. Tem aromas ricos a tabaco, azeitona e notas terrosas, minerais, em base frutada a ameixa. Estruturado, mostra muito boa acidez e frescor, taninos finos. Um tinto seco, equilibrado, elegante, com profundidade, mais suculento. É um pouco reduzido na boca, característica, segundo o enólogo Marcelo Retamal, da grande mineralidade do terroir (13,5%). Um clássico, do qual foram lançadas 2.785 garrafas.
Cuesta Chica 2015
Viñedos de Alcohuaz – Vale de Elqui – Chile – Nota 91
Linear, puro e fresco, é 100% Garnacha. Os aromas trazem anis, groselha e cassis. Mostra muita fruta madura, em corpo médio, boa acidez e taninos de qualidade. Seco, bom para comida (13%). A produção foi de 2.400 garrafas.
La Era 2015
Viñedos de Alcohuaz – Vale de Elqui – Chile – Nota 92
É 100% Malbec, de vinhedo plantado a 1.796 metros acima do nível do mar. Repousou por 23 meses em foudre de madeira usada. Encorpado, tem muita fruta, como cereja e cassis. Mais encorpado, estruturado, tem ótima acidez. Um tinto limpo, puro e fresco (13%). Foram produzidas 1.260 garrafas.
Tococo 2015
Viñedos de Alcohuaz – Vale de Elqui – Chile – Nota 94
Tinto delicioso, 100% Syrah de vinhedos de altitude e solo granítico, repousou por 23 meses em foudres. Agrada já pela riqueza de aromas, que mostram cedro, coco, com notas florais e de eucalipto, em meio a muita fruta, a cereja. Na boca, destaque para o equilíbrio, o frutado, a acidez, a elegância e fineza. É um vinho prazeroso, limpo, que oferece a pureza buscada pelo enólogo (13%). Pena que não seja comercializado no Brasil, pois a produção se limitou a 1.245 garrafas. Tococo é o nome de um passarinho local.
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