Nicolás Catena, sempre revolucionário, recebe homenagem pelos 25 anos de presença no Brasil
Os vinhos argentinos estão tão presentes em nosso mercado que a gente pensa que foi sempre assim. Na verdade, as importações de tintos e brancos de qualidade de nossos vizinhos começaram apenas nos anos 1990. Um dos responsáveis por esta aproximação foi o empresário e enófilo Ciro Lilla, da importadora Mistral, que em 1992 descobriu os vinhos de Nicolás Catena antes de serem consagrados internacionalmente e logo passou a distribuí-los no Brasil. Para celebrar os 25 anos desta parceria de sucesso, a família Lilla organizou um evento especial em homenagem a Nicolás Catena e sua esposa, Elena. Na última segunda-feira, dia 22, um jantar reuniu convidados e jornalistas especializados no charmoso espaço do Jockey Clube de São Paulo.
Ciro Lilla conta que tomou conhecimento de que a vinícola Catena tinha bons vinhos graças a comentários feitos por produtores franceses e californianos com quem se relacionava. “Na época – lembra – os vinhos argentinos tinham má reputação no Brasil e no mundo e eram pouco exportados”. Catena era mencionado como um dos renovadores da vinicultura da Argentina. Ciro Lilla fez então os primeiros contatos com a família e depois se encontrou com Elena Catena na feira francesa Vinexpo, em Bordeaux. Ela lhe apresentou vinhos que o encantaram ao primeiro gole. “Vocês têm representante no Brasil?”, perguntou Ciro. Ao ouvir que não, acrescentou: “Pois agora têm”. Pelo trabalho da Mistral, o Brasil se tornou um dos países pioneiros na importação dos rótulos Catena, ao lado dos Estados Unidos e da Inglaterra.
A indústria vinícola argentina realmente deve muito da fama que alcançou à seriedade e empenho de Nicolás Catena, hoje considerado um dos produtores de maior prestígio no mundo. Ele vem de uma família dona de bodegas e começou a pensar em produzir vinhos de qualidade na década de 1970. Recorda que naquela época, ao dar aulas de Economia na Universidade da Califórnia em Berkeley, visitou o Napa Valley e ficou impressionado com os tintos e brancos locais. Os americanos estavam fazendo vinhos para rivalizar com os franceses. Catena intuiu que a Argentina tinha condições de chegar aos mesmos resultados e, ao voltar para Mendoza, iniciou o trabalho para obter isso.
Demorou 20 anos, mas conseguiu. A fama chegou com vinhos bem feitos, como os tintos e brancos das séries Angelica Zapata e Catena Alta. Interessante notar que os mesmos cuidados com a produção aparecem também nas linhas mais populares da empresa, como Alamos, um campeão de vendas no Brasil.
Primeiro, os brancos
Catena teve visão, persistência e ousadia, numa época em que quase todas as vinícolas argentinas ainda faziam vinhos à moda antiga, chatos e pesados, ao gosto do mercado local. Pesquisou os melhores terrenos de Mendoza antes de implantar seus vinhedos e intuiu as vantagens das alturas. Obteve os melhores clones franceses das castas Chardonnay e Cabernet Sauvignon e aplicou técnicas modernas no campo, com a redução dos rendimentos, e na adega emblemática, construída em forma de pirâmide.
Em sua trajetória, Nicolás Catena sempre soube se cercar de profissionais talentosos. Em 1989 ele contratou o enólogo norte-americano Paul Hobbs, saído da equipe do Opus One, de Robert Mondavi, com a missão de elaborar um grande Chardonnay em Mendoza. “Catena achava que produzir brancos era um desafio tecnológico”, relatou Hobbs certa vez. “Se o mundo visse que a Argentina podia produzir um vinho branco de qualidade, seria capaz de produzir também tintos do mesmo nível”. A tarefa foi cumprida com louvor.
Hobbs iniciou trabalho pioneiro nos vinhedos, com Pedro Marchevsky, então responsável pela área agrícola da vinícola. Tempos mais tarde, ao organizar uma degustação às cegas na Califórnia, colocou o branco de Catena junto com renomados rótulos locais e da Borgonha francesa. Os conhecidos provadores ficaram chocados ao perceber que o Chardonnay argentino conquistara o segundo lugar.
Referência em Malbec
No início dos anos 1990, Nicolás Catena começou a buscar tintos que tivessem a mesma classe. Na época, sua atenção estava voltada para a Cabernet Sauvignon, com a qual conseguiu resultados excepcionais. Apenas em 1995, por insistência do pai, concordou em desenvolver um vinho de nível superior com a Malbec. Até então, esta casta de origem francesa só proporcionava vinhos rústicos. O problema era encontrar clones de qualidade para dar a partida – não existiam mais na França, sua terra natal, nem em grandes centros de pesquisa, como na Califórnia.
Vinhos das alturas
Um novo passo foi dado com as pesquisas sobre vinhos elaborados com uvas cultivadas em altitudes mais elevadas que o habitual, entre 1.400 e 1.500 metros acima do nível do mar. São tintos com mais componentes, taninos maduros, quase doces e mais harmônicos. A altura lhes confere complexidade e elegância. No caso da Malbec, os tintos das altitudes elevadas ainda se apresentam com maior concentração e amargor menor.
Segundo Catena, no clima desértico de Mendoza, onde o índice pluviométrico médio é de 150 mm por ano, a altura dos vinhedos varia normalmente de 840 a 1.500 m. Os estudos feitos confirmam que a cada 100 metros de elevação diminui 1º C a temperatura média no período da colheita, o que é importante em zonas quentes, como a desta região Argentina, situada ao pé dos Andes. Nas alturas, também é maior a amplitude térmica, a diferença de temperatura entre o dia e a noite, que favorece a maturação dos cachos e agrega fineza.
Ao mesmo tempo, aumentam as radiações de intensidade luminosa. “Quando se eleva a altura do vinhedo, os componentes fenólicos, antocianas e taninos são produzidos em quantidade superior”, destaca Nicolás Catena. Ele observa que existem três tipos de taninos, as substâncias retiradas das partes sólidas da uva e que dão estrutura aos tintos. Há o tanino condensado, o monômero (que incorpora amargor) e o polímero (mais macio). “Quanto mais altas, plantadas até 1.500 m, as uvas têm menos taninos monômeros, que dão amargor”, diz ele. “Por isso, são vinhos maduros e doces, embora com muita estrutura”.
Vinhedos “grand cru”
Nicolàs Catena, hoje com 76 anos, continua em plena atividade. Comparece diariamente à sede da empresa em Buenos Aires, e viaja com frequência à vinícola em Mendoza, especialmente para provar as amostras que poderão entrar na composição de seus vinhos. Economista de formação, ele ainda dá aulas, faz conferências e escreve artigos sobre economia em importantes jornais.
Mas nos últimos anos o dia a dia da empresa passou a ser comandado por sua filha, a bióloga Laura Catena, da quarta geração da família, que conta com o apoio do enólogo chefe Alejandro Vigil, um dos melhores em atividade hoje no país. Laura mostra uma preocupação constante com a inovação, e para isso tem como peça chave o Catena Institute of Wine, em Mendoza, onde já foram realizados importantes projetos de pesquisa.
Com esta equipe formidável, Catena promoveu mais uma revolução, ao buscar vinhos de grande expressão do território, encontrados nos primeiros vinhedos considerados “Grand Cru” da Argentina. “A quarta geração da família introduziu na vinícola o conceito europeu de que um vinho não pode ser dissociado do local onde estão situados seus vinhedos”, ressaltou Catena em seu discurso no jantar promovido pela Mistral.
Ou seja, foco no terroir. Um exemplo é o excepcional vinhedo Adrianna, situado em Gualtallary, no Vale de Ucco, a 1.500 metros de altitude, com diferentes parcelas e personalidades. Algumas delas têm solos com forte presença de calcário; outras com pedras redondas, brancas, recobertas de cal. Destas áreas saíram tintos e brancos monumentais, como os Chardonnay White Bones e White Stones, e os tintos Mundus Bacillus Terrae, Fortuna Terrae e River Stones, todos a partir da Malbec.
Interessante notar que os mesmos cuidados com a produção aparecem também nas linhas mais populares da empresa, como Alamos, um campeão de vendas no Brasil. Assim segue a trajetória da família Catena. “Não foi apenas uma revolução que começou no final dos anos 1990”, ressaltou Otávio Lilla, filho de Ciro. “É uma história que acontece seguidamente”. Como Laura, no caso da casa argentina, Otávio também partilha com o pai a administração da Mistral.
Os vinhos
No jantar desta segunda-feira foram servidos vinhos especiais. Para começar, dois brancos, o Angelica Zapata Chardonnay 2013 (US$ 47.90) e o estupendo Catena Alta Chardonnay 2013 (US$ 56.90). Depois, três tintos maravilhosos, de safras antigas, o Catena Alta Cabernet Sauvignon 2001, Catena Alta Malbec 1995 e o magnífico Nicolás Catena Zapata 2001, em garrafa magnum (1,5 l). Com as sobremesas veio o Catena Semillon Doux 2012, feito com uvas Semillon atacadas pela Botrytis Cinerea (US$ 43.90). Vamos analisar dois desses vinhos.
Catena Alta Chardonnay 2013
Catena Zapata – Mendoza – Argentina – Mistral – US$ 56.90 (R$ 193,40 no site da importadora) – Nota 93
Com uvas de Gualtallary, é um branco de classe, cremoso, que mostra mineralidade e frescor. A madeira está presente nos aromas amendoados. Mas é bem integrada à fruta. Volumoso, destaca-se pelo equilíbrio e elegância. No final de boca aparece um gostoso sabor de frutas secas (13,8%).
Nicolás Catena Zapata 2001
Catena Zapata – Mendoza – Argentina – Mistral – R$ 1.138 – Nota 95
O ano de 2001 foi considerado difícil em Mendoza, pela presença de chuva forte no período final de amadurecimento das uvas. Ainda assim os produtores mais cuidadosos, como Catena, conseguiram ótimos vinhos. Seu tinto emblemático, sempre incluído entre os grandes do mundo, nesta safra teve 52% Cabernet Sauvignon, vindos dos vinhedos La Pirámide e Domingo, e 48% Malbec, do vinhedo Adrianna. A idade se mostra na cor, rubi granada, e nos aromas complexos, que lembram café, especiarias, chocolate amargo, em base de frutas negras. Mas o vinho está evoluindo lindamente, pela estrutura de taninos e ótima acidez. É equilibrado e profundamente sedutor (13,8%). Como se trata de um vinho raro de uma safra antiga, a Mistral tem em seu estoque pouquíssimas garrafas do 2001. A edição atualmente à venda é a de 2010 e custa R$ 678.
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