Peterlongo mostra primeiros resultados do trabalho do enólogo francês Pascal Marty

Peterlongo mostra primeiros resultados do trabalho do enólogo francês Pascal Marty

Pascal Marty e os vinhos Peterlongo

A centenária vinícola Peterlongo, tradicional produtora de espumantes de Garibaldi, na Serra Gaúcha, começa a mostrar os resultados do trabalho do enólogo francês Pascal Marty, contratado como consultor no ano passado. Os vinhos produzidos com uvas das últimas colheitas, coordenadas por ele, ainda estão nas caves, mas Marty inspirou mudanças para melhor nos rótulos que já estavam em elaboração quando assumiu o cargo, como os espumantes Elegance, Privilege e Presence e também os tintos Armando Memória. Pelos resultados iniciais, pode-se prever que a Peterlongo ainda vai evoluir muito.

Esta semana, Pascal Marty esteve em São Paulo para divulgar os rótulos da vinícola gaúcha. Aos 58 anos, ex-homem forte da casa francesa Baron Philippe de Rothschild e atualmente radicado no Chile, ele tem no currículo o desenvolvimento de ícones mundiais como os tintos premium Opus One, na Califórnia, e o chileno Almaviva. Sua contratação culminou o projeto de renovação integral da Peterlongo, iniciado há mais de uma década por Luiz Carlos Sella, empresário que ganhou dinheiro no ramo de pneus e há 15 anos liderou a compra da tradicional vinícola das mãos dos descendentes de Armando Peterlongo.

 

A sede da vinícola, em Garibaldi

Aprendizado

A Peterlongo produziu o primeiro espumante brasileiro, em 1913, e até a década de 1970 foi o grande nome dos vinhos borbulhantes locais. Dominava as mesas finas e as grandes festas no Brasil. Depois vieram as crises e a qualidade de seus produtos já não era a mesma. Nos últimos anos surgiram novos nomes na nossa vinicultura , o espumante tornou-se o porta-estandarte da produção nacional, mas a Peterlongo ficou para trás. É o antigo prestígio que o atual sócio diretor Sella pretende recuperar.

Depois de sanear a empresa financeiramente, ele fez grandes investimentos para a revitalização da marca. A contratação de Pascal Marty como consultor é parte do processo, reforçando a equipe fixa da vinícola, chefiada pela enóloga Deise Tempass.

As centenárias instalações em Garibaldi também foram renovadas. No final do ano passado a adega foi modernizada com a compra de 28 tanques de aço inox, mais de 100 barricas de carvalho francês, prensa para uvas tintas, além da remodelação do setor de recepção e tratamento das uvas. Os vinhedos recebem igualmente a atenção de Marty e da engenheira agrônoma francesa Carole Dumont, que trabalha com ele.

Pascal Marty fala que no momento está conhecendo melhor o terroir brasileiro e o potencial dos nossos vinhos. “Produtos já existentes no portfolio da casa servem de laboratório para este aprendizado”, diz ele. “Trabalhando, por exemplo, com a linha de tintos Armando Memória, estamos descobrindo como se comporta cada região, que uvas se desenvolvem mais em cada local, quais as parcelas de vinhedo mais interessantes”.

Na Serra Gaúcha, a Peterlongo compra uvas de agricultores parceiros. A empresa possui vinhedos próprios apenas em Encruzilhada do Sul, na chamada Serra do Sudeste. São 33 hectares, ocupados com as tintas Pinot Noir, Merlot, Teroldego e Touriga Nacional e com a branca Chardonnay. A nova equipe estuda plantar ainda outras castas.

 

Vinhos de alta gama

Em fevereiro do ano que vem devem ser lançados mais dois varietais da série Armando Memória – Teroldego e Touriga Nacional. Pascal Marty aposta nestas uvas, especialmente na Touriga Nacional, de origem portuguesa. Com mais conhecimentos do terroir e do comportamento de cada variedade, será possível pensar em tintos de nível superior.

“Nossa meta é ter um tinto de alta gama em dois ou três anos”, destaca o enólogo. “E parece certo que será um vinho de mescla, de assemblage, para expressar melhor a região”. Ele acha que a Cabernet Sauvignon ou a Merlot, sozinhas, não conseguem exprimir as qualidades que pretende para o vinho. Pelo que viu até agora, Marty tem uma candidata a servir de base para seu futuro tinto top – exatamente a Touriga Nacional de Encruzilhada do Sul. Mas isso só o tempo confirmará.

Já no caso dos espumantes, tradicional carro-chefe da Peterlongo, o enólogo francês pretende mexer aos poucos na composição da receita, especialmente nos rótulos mais cuidados, como Elegance e Privilege, reduzindo a participação da Pinot Noir em favor da Chardonnay. Pretende com isso deixá-los menos pesados e com mais frescor, permitindo à casa recuperar a glória do passado.

A Vinícola Peterlongo produz hoje 5 milhões de litros por ano entre espumantes, vinhos, suco de uva, frisante e filtrado, sendo o quinto maior exportador de vinhos do país.

 

Histórias ricas

Marty (à esq.) e Sella: histórias que se cruzam

A parceria entre a empresa gaúcha e o enólogo francês reúne duas histórias marcantes. A vinícola foi fundada pelo imigrante italiano Manoel Peterlongo, natural de Trento, que veio para o Brasil em 1878. Ao contrário do perfil médio dos conterrâneos instalados no sul do país na mesma época, geralmente agricultores de origem simples, o jovem Peterlongo era agrimensor e apaixonado por vinhos.

Nomeado coletor estadual na então Colônia Conde D’Eu, hoje a cidade de Garibaldi, era amigo de Carlos Dreher, outro pioneiro do setor de bebidas, e com ele incentivava o plantio de uvas brancas finas na Serra Gaúcha. Em 1913, Manoel Peterlongo apresentou seu Moscato Typo Champagne, o primeiro espumante produzido no Brasil. Dois anos depois oficializou a Vinícola Peterlongo – que, sendo assim, comemorou 100 anos em 2015.

A empresa cresceu e ganhou fama, especialmente sob o comando do visionário Armando Peterlongo, único filho homem de Manoel. Foi ele que mandou construir a sede da vinícola, toda em pedra, lembrando um castelo, com a casa da família na parte de cima e caves subterrâneas. Os espumantes da Vinícola Armando Peterlongo, nome oficial da casa, brilharam por todo o país, notadamente dos anos 1930 a 60. Foram servidos pelo presidente Getúlio Vargas à rainha Elisabeth, quando da visita da rainha britânica ao Brasil.

As antigas caves subterrâneas

Na época, dizia-se champagne, não espumante. Na década de 1960, os produtores da área de Champagne fizeram um movimento pelo mundo, para proibir o uso da denominação por vinícolas de fora desta região francesa. O processo judicial contra as empresas brasileiras chegou ao Supremo Tribunal Federal, em Brasília. Em 1974, os ministros decidiram que, pela antiguidade e estilo, a Vinícola Armando Peterlongo poderia utilizar a palavra champagne em seus melhores rótulos, o que permanece até hoje – embora não apareça nos vinhos para exportação.

Mais tarde, as vendas caíram e a empresa entrou em crise, até ser comprada, há 15 anos, por um grupo liderado pelo empresário Luiz Carlos Sella. Já em 2002 ele iniciou o plano de recuperação da marca. Para consolidar as mudanças, buscou no mercado internacional um nome capaz de dar vida nova à Peterlongo. Através de um amigo comum, importador de vinhos no Paraguai, conheceu em 2015 o enólogo francês Pascal Marty e foi quando suas histórias se cruzaram.

Natural de Perpignan, na fronteira com a Catalunha, Marty formou-se no Instituto de Enologia de Bordeaux em 1982 e depois trabalhou durante 14 anos para a célebre casa Baron Philippe de Rothschild. Como homem de confiança da empresa, foi encarregado de implantar dois grandes projetos da família Rothschild fora da França.

Ainda na década de 1980 comandou o desenvolvimento do Opus One, nos Estados Unidos, parceria de Baron Philippe com Robert Mondavi e, em 1997, no Chile, o nascimento do Almaviva, sociedade com a Concha y Toro. Radicado neste país, o enólogo deu consultoria a muitas vinícolas chilenas, como a tradicional Cousiño Macul. Por fim, em 2008 iniciou projeto próprio, a Viña Marty, situada no vale de Curicó, 200 km ao sul de Santiago – cujos vinhos são distribuídos no Brasil pela importadora Del Maipo. Com tanta vivência, Pascal Marty certamente tem muito a contribuir para a renovação da Peterlongo.

 

Espumantes e tintos

Esta semana em São Paulo, a Peterlongo organizou degustações especiais comandadas por Pascal Marty para mostrar os primeiros resultados do trabalho iniciado no ano passado pelo enólogo francês. Vamos falar de alguns dos rótulos provados, que já passaram por pequenas mudanças inspiradas pelo novo consultor.

 

Privilege Extra Brut

Peterlongo – Garibaldi, RS – Brasil – R$ 76 – Nota 89

Mescla de Chardonnay e Pinot Noir de vinhedos da Serra Gaúcha, é produzido pelo método tradicional, em que a segunda fermentação ocorre na própria garrafa, com 18 meses de contato com as borras. Bem feito, com boa estrutura, traz nos aromas frutas secas, como amêndoa, algo de tostados e notas de damasco. Cremoso, mostra boa acidez, é seco, mas sem agressividade, um espumante gostoso, fácil de beber (11,5%).

 

Elegance Brut

Peterlongo – Garibaldi, RS – Brasil – R$ 227 – Nota 90

Elaborado pelo método tradicional, tem mais complexidade, pois repousa por 36 meses na garrafa, em contato com as borras, antes do arrolhamento final. Vem de Chardonnay e Pinot Noir dos vinhedos da vinícola em Encruzilhada do Sul, na Serra do Sudeste. Nos aromas há notas de pão tostado, de caramelo, leve amanteigado e fruta branca madura. Estruturado, macio, apresenta boa acidez e frescor. Seco, tem uma sensação de doçura, que agrada o paladar médio do consumidor brasileiro. Um espumante com muita classe (12,5%).

 

Armando Memória Cabernet Sauvignon 2015

Peterlongo – Garibaldi, RS – Brasil – R$ 76 – Nota 88

O tinto, com uvas compradas na Serra Gaúcha e na Campanha, já estava pronto quando Pascal Marty chegou. Era bastante simples. O novo consultor propôs algumas mudanças para lhe dar um upgrade. Fez seleção das melhores parcelas do lote e, para proporcionar mais estrutura, agregou ao vinho que estava nas barricas borras finas da colheita de 2016, com bâttonage. O estágio no carvalho durou cinco meses. Resultou um tinto com boa presença aromática, lembrando cereja, em meio a notas de tabaco e especiarias. Tem corpo médio, boa acidez e frescor, sem complicações (12%).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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