by José Maria Santana | 31/10/2017 14:32
Conhecer cada metro quadrado dos vinhedos situados em diferentes zonas do Vale de Uco, em Mendoza, que ele considera o paraíso dos vinhos argentinos. Este foi o desafio que o experiente enólogo José “Pepe” Galante, winemaker chefe da vinícola Salentein, perseguiu nos últimos anos. Na semana passada em São Paulo ele mostrou alguns resultados já alcançados, três soberbos tintos da linha Salentein Single Vineyard, todos da safra de 2015, que devem chegar ao mercado brasileiro nos próximos meses, trazidos pela importadora Zahil.
A Salentein, casa fundada em 1996 pelo empresário holandês Mijndert Pon, foi pioneira no Vale de Uco. Apostou em vinhedos plantados em altitudes elevadas, entre 1.050 e 1.700 metros acima do nível do mar. Nesses pouco mais de 20 anos ganhou muito prestígio com vinhos incríveis, como Primus Malbec, Primus Cabernet Sauvignon, Numina Malbec, Single Vineyard Chardonnay e, mais recentemente, o notável Salentein Gran VU (Valle de Uco) 2012. Com as investigações realizadas pela equipe de Pepe Galante pretende ir ainda mais longe.
Considerado louco
A ligação da Salentein com o Vale de Uco é total. Mijndert (pronuncia-se “Mainder”) Pon, vindo de uma família que enriqueceu vendendo carros da VW na Holanda, passou a velejar pelo mundo depois de se aposentar. Conheceu a Argentina e se apaixonou, decidindo produzir vinhos no país. Sem nenhuma experiência anterior, começou do zero. Mas foi visionário ao escolher o Vale de Uco. Comprou ali seu primeiro vinhedo, El Oasis, em 1996.
Na época foi considerado louco, pois não havia nada por lá, apenas uns poucos viticultores locais, com vinhas na parte baixa do vale. Ninguém se aventurava a plantar uvas nos terrenos mais altos, pois não era possível irrigar as vinhas. Mas nos anos 1990 apareceu em Mendoza uma tecnologia nova, desenvolvida em Israel, a irrigação por gotejamento, que permitia levar a água até altitudes elevadas.
Isso sustentou o projeto de Mijndert Pon, que a seguir comprou mais três fincas no mesmo Vale de Uco – San Pablo, La Pampa e El Tomillo. Os vinhedos são irrigados com a água pura proveniente do degelo dos Andes. Em 1998, o empresário holandês construiu a adega, moderna e funcional, no formato dos antigos templos clássicos. Mais tarde, anexou belíssimo projeto para receber visitantes, com uma pousada e restaurante em meio aos vinhedos. Hoje a empresa tem 2.100 hectares de terras no Vale de Uco, sendo 800 ha. ocupados com parreirais.
Já Pepe Galante, 66 anos, formado em 1975 na Facultad Tecnológica de Enología Don Bosco, da Universidad Juan Agustín Maza, de Mendoza, fez carreira em outras regiões do país. Logo depois de receber o diploma começou a trabalhar nas vinícolas da família Catena, onde chegou a enólogo chefe e ficou por 34 anos. Junto com o brilhante Nicolás Catena, Pepe Galante ganhou fama como um dos pais da revolução vitivinícola que elevou a Argentina ao patamar dos grandes produtores de vinho do mundo.
Pesquisa e descobertas
O Vale de Uco é considerado atualmente uma das zonas com maior potencial na Argentina. Todos os grandes produtores do país agora têm vinhedos lá e nos últimos anos a região recebeu fortes investimentos, sendo muitos internacionais. Afinal, o que é o Vale de Uco? Situado 100 km ao sul de Mendoza, é uma espécie de anfiteatro natural delimitado pelos rios Tunuyan e Las Tunas. Divide-se em três departamentos, Tupungato, Tunuyan e San Carlos, e tem ainda algumas áreas menores, que se destacam pela qualidade de seus vinhos, como Gualtallary, Altamira e Vista Flores.
Os vinhedos se estendem de 900 m a 1.700 m acima do nível do mar, áreas que têm clima temperado, com grande amplitude térmica. A diferença entre o calor do dia e o frio das noites permite o amadurecimento mais lento e pleno das uvas, incorporando açúcar sem perder a acidez. Os solos são pedregosos e têm boa drenagem, com muitas manchas calcárias. Todas essas condições contribuem para a produção de vinhos equilibrados e com grande frescor.
Mas os enólogos argentinos dizem que a maior influência vem da altitude. Estudos realizados antes, especialmente pela equipe de Nicolás Catena, mostram que a cada 100 m encosta acima a temperatura média baixa 1o C no período da colheita, o que é importante em zonas quentes, como Mendoza. Nas alturas, também é maior a amplitude térmica, a diferença de temperatura entre o dia e a noite, que favorece a maturação dos cachos e agrega fineza.
Ao mesmo tempo, aumentam as radiações de intensidade luminosa. Os componentes fenólicos, antocianas e taninos são produzidos em quantidade superior. As uvas plantadas nas áreas elevadas têm menos taninos que agregam amargor (monômeros), e mais taninos macios (polímeros). Dão origem a tintos maduros e doces, embora com muita estrutura.
Com a bagagem de 42 colheitas realizadas na carreira, Pepe Galante dedicou os últimos anos a pesquisar cada parcela dos vinhedos da Salentein no Vale de Uco, tendo como referência a Malbec, a casta emblemática da Argentina. Mandou escavar o solo para examinar as camadas abaixo da superfície, fez medições de temperatura e chuvas, realizou microvinificações para avaliar a qualidade das uvas de cada ponto da vinha. Nas investigações, conta com a experiência do casal francês Lydia et Claude Bourguignon, dono do LAMS, o Laboratoire d’Analyse Microbiologique des Sols, considerado um dos melhores do mundo em estudos de solos e terroir.
“A microrregionalização foi uma de nossas maiores apostas”, diz Pepe. “Todos os dias encontramos no Vale de Uco lugares que a gente nem sabia que existiam e que dão vinhos maravilhosos”. Como exemplo, ele cita a finca San Pablo, onde os vinhedos vão de 1.400 m a 1.700 m de altitude. Antes voltados basicamente a Chardonnay, Sauvignon Blanc e Pinot Noir, sabe-se agora que também produzem Malbecs diferenciados e de grande nível.
Os Single Vineyards
Na prova realizada em São Paulo, Pepe Galante e o diretor comercial da empresa, Matías Bauzá Moreno, mostraram os Salentein Single Vineyard provenientes de três propriedades diferentes, todos Malbec 100%, de produção reduzida, cada um com suas características próprias.
O Salentein Single Vineyard Finca El Tomillo Malbec 2015 vem de Paraje Altamira, a 1a apelação do Vale de Uco reconhecida como I.G. (Identificación Geográfica), de um vinhedo plantado em 2007 a 1.050 m de altitude. O clima frio, desértico (apenas 213 mm de chuvas por ano) e o solo arenoso, com manchas de carbonato de cálcio em toda a extensão, permitem obter um Malbec distinto, com muita personalidade, marcado por fruta vermelha madura, fineza, elegância e ótimo frescor. Fermentou em barricas e permaneceu no carvalho francês (20% novo) por 16 meses. Delicioso.
Os outros dois exemplares estão em fase final de afinação. O Single Vineyard Finca Los Basaltos Malbec 2015, nasce em Gualtallary, na vinha de um pequeno viticultor parceiro da Salentein, plantado a 1.400 m de altitude em 2007. O clima é frio, seco (250 mm de chuvas por ano) e os solos, arenosos, com abundância de pedras basálticas e vulcânicas, cobertas com grossa camada de carbonato de cálcio. O tinto é mais aberto e sedoso. Mostra notas florais e de grafite, com taninos maduros, boa estrutura e frescor final.
Já o magnífico Salentein Single Vineyard Finca San Pablo Malbec 2015 é originário de uma parcela especial (a no 14) plantada a 1.480 m de altitude na zona de San Pablo, que está em processo de reconhecimento como I.G. Ali o clima é frio e o índice pluviométrico, de 450 mm por ano, pouco maior que a média do vale de Uco. Os solos arenosos profundos apresentam menos incidência de calcário que as outras fincas. O tinto é mais equilibrado, complexo, com aromas intensos, em que predominam frutas negras, em meio a notas florais e tostados. Macio, fino e muito prazeroso.
Os ícones
O fundador da Salentein, Mijndert Pon, morreu há dois anos e a empresa agora é comandada por seus três filhos. O grupo possui também as bodegas Callia e Pyros (ambas na região de San Juan) e produz no total 23 milhões de garrafas de vinho por ano. O guarda-chuva da Salentein abriga os tintos e brancos jovens Portillo e Killka, de preços mais acessíveis (entre R$ 69 e R$ 85). O nome da casa é reservado para os rótulos premium, como as linhas Numina, Primus e o top VU.
O potencial de qualidade da Salentein pode ser apreciado pelos ícones já comercializados aqui pela Zahil, a importadora dos irmãos Antoine e Serge Zahil. Apresentamos aqui três deles, provados novamente durante a visita de Pepe Galante a São Paulo.
Salentein Numina Cabernet Franc 2014
Salentein – Vale de Uco, Mendoza – Argentina – Zahil – R$ 207 – Nota 90
Tinto encorpado e muito bem feito, com uvas de parcelas escolhidas da Finca El Oasis, afinado por 14 meses no carvalho francês. Ao nariz mostra notas vegetais e de tabaco, em base de fruta madura como cassis e amora. Estruturado, tem textura macia, boa acidez e final elegante, com grande frescor. Ótima expressão da variedade nas alturas do Vale de Uco (14%).
Salentein Primus Cabernet Sauvignon 2012
Salentein – Vale de Uco, Mendoza – Argentina – Zahil – R$ 458 – Nota 92
O desafio da Cabernet Sauvingon na Argentina é chegar à maturação correta, que evita as notas verdes deixadas pelo componente piracina. Aqui Pepe Galante conseguiu isso, com rigoroso manejo do vinhedo, em que foram cortados os cachos fora do padrão desejado. O tinto, estagiado por 18 meses em barricas de carvalho francês, lembra nos aromas cassis, ameixa, especiarias e tabaco. Na boca é amplo, intenso, mas bastante equilibrado, com taninos macios, elegância e delicioso final refrescante (14,5%).
Salentein Gran VU Blend 2012
Salentein – Vale de Uco, Mendoza – Argentina – Zahil – R$ 765 – Nota 93
Tinto espetacular, rico e complexo, mescla de 73% Malbec e 27% Cabernet Sauvignon. As variedades foram fermentadas em separado em barricas e, depois do blend, o vinho permaneceu por 18 meses no carvalho francês (30% novo). Traz nos aromas cassis e ameixa, em meio a notas de tabaco, alcaçuz, minerais e de especiarias. Untuoso na boca, concentrado, equilibrado, macio, fresco, muito elegante, persistente, tem tudo o que um grande vinho costuma oferecer (15%).
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