Sucesso da Feira Naturebas 2018 confirma o interesse do consumidor pelos vinhos orgânicos e naturais
O número de pessoas interessadas nos vinhos e produtos orgânicos e naturais no Brasil já é realmente expressivo. Foi impressionante o movimento na Feira Naturebas 2018, realizada neste sábado na Casa das Caldeiras, em São Paulo, organizada pelo casal Lis Cereja e Ramatis Russo, da Enoteca Saint VinSaint.
Mais de mil visitantes, 73 produtores e cerca de 500 vinhos diferentes, um verdadeiro sucesso. Estavam presentes grandes estrelas dos vinhos orgânicos, bidonâmicos e naturais brasileiros e de outros países. Mas o que mais chamou a atenção foi o número de consumidores e o interesse e o conhecimento deles ao conversar com os produtores e provar seus rótulos.
Nas edições anteriores muitos interessados ficaram de fora, por falta de espaço, e por isso desta vez Lis e Ramatis ampliaram o evento. Inicialmente estava prevista a venda de 900 ingressos, depois a oferta foi elevada para mil e nem assim foi suficiente. “Há 400 pessoas na lista de espera”, informou Lis, que mal conseguia andar entre as mesinhas de cada produtor no espaço da Casa das Caldeiras, pequeno diante de tanta gente. Além dos vinhateiros, havia mais de 20 expositores de queijos, conservas, ovos, pães e outros alimentos orgânicos.
Entre as vinícolas e produtores estrangeiros presentes estavam ícones como os franceses Jean Marie Rimbert (Domaine Rimbert, do Languedoc), Elian da Ros (Elian da Ros, Côtes du Marmandais, Sudoeste da França, perto de Bordeaux), e Château Le Puy (Bordeaux). Da Espanha, Lorenzo Valenzuela (Barranco Oscuro, zona de Granada). De Portugal, Antonio Lopes Ribeiro (Casa de Mouraz, do Dão) e Vasco Croft (Aphros Wine, região dos Vinhos Verdes).
Do Chile puderam ser provados, entre outros, os vinhos de Alvaro Espinosa (Antyal), Manuel Gutierrez (Cacique Maravilla), Renan Cancino (El Viejo Almacén) e Juan Ledesma (Terroir Sonoro).
Na ala brasileira compareceram os mais conhecidos nomes da produção natureba, como Luis Henrique Zanini (Era dos Ventos), Eduardo Zenker (Arte da Vinha), Marco Danielle (Atelier Tormentas), Daniel Lopes (Vinhas do Tempo), Família Faccin, Domínio Vicari e tantos outros.
Em comum, são vinhateiros que não utilizam produtos químicos sintéticos em suas vinhas ou na adega, com um mínimo ou nenhuma intervenção, e por isso abrigados no guarda-chuva dos vinhos naturais. Mas antes de prosseguir, é preciso lembrar que na legislação esta definição não é precisa e deixa algumas dúvidas.
De um ponto de vista mais amplo todo vinho é natural, pois nada mais é que a bebida obtida pela fermentação do suco da uva. Deixando a polêmica de lado, vamos ficar com a distinção didática entre os vinhos ditos convencionais (em que se usam sintéticos autorizados por lei) e os naturebas, classificados em orgânicos, biodinâmicos e naturais.
O apelo dos naturais
A Feira Naturebas começou pequena em 2013, para apenas 100 pessoas. Chegou à sexta edição no último sábado e ainda é o único evento no Brasil especializado em vinhos naturais, orgânicos e biodinâmicos, além de produtos artesanais ligados à alimentação e sustentabilidade.
Mas o sucesso confirma que a bandeira da agricultura saudável tem cada vez mais adeptos. Há uma grande valorização em todo o mundo do chamado movimento “farm to table”, uma espécie de volta a um cultivo mais saudável e humano, em contraponto ao desenvolvimento da indústria dos defensivos e fertilizantes sintéticos responsáveis pela expansão agrícola nas últimas décadas.
O apelo dos produtos naturais tomou forma nos anos 1960, pegando carona também no estilo de vida hippie. Ganhou força nas décadas seguintes e hoje inspira grande parcela de consumidores. No mundo do vinho não foi diferente. Hoje muitos vitivinicultores têm consciência de que é importante proteger o meio ambiente, proporcionar melhor qualidade de vida ao ser humano de modo geral e oferecer vinhos mais puros e saudáveis.
Por outro lado, algumas vinícolas aderem ao movimento apenas por modismo, atraídas pela projeção do momento. Diante disso, o consumidor fica em dúvida: vinho orgânico é melhor do que o vinho, digamos, normal? Ou é só marketing?
Como em toda atividade, há nos dois campos bons e maus produtores e, portanto, bons e maus vinhos. O importante é a seriedade e o respeito que cada um adota ao elaborar seu produto. Dito isto, fica a pergunta: afinal, o que são vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais?
Orgânicos
O primeiro passo de muitos vitivinicultores foi ter consciência da necessidade de proteger o meio ambiente, com a redução do uso de produtos químicos na vinha, da emissão de carbonos e a adoção de práticas de sustentabilidade. É a chamada agricultura integrada, que os franceses dizem raisonée, conceito um tanto fluido – em uma emergência, por exemplo quando aparecem pragas severas no vinhedo, alguns não hesitam em lançar mão de defensivos sintéticos.
Uma etapa acima é a viticultura orgânica, que no manejo da videira proíbe o uso de produtos industriais sintéticos, como fertilizantes e agrotóxicos. Só emprega materiais orgânicos, seja para combater pragas, seja para adubar a terra. Busca expressar melhor cada terroir. O número de adeptos ainda é pequeno – calcula-se que apenas 4% dos vinhedos existentes hoje no mundo têm manejo orgânico. Mas cresce. A maior parte está na Europa, principalmente na França, Itália e Espanha.
A agricultura orgânica se baseia no equilíbrio entre os vinhedos e o meio ambiente, de modo a alcançar projetos economicamente sustentáveis. Água, por exemplo, é a coisa mais natural que existe, mas em excesso prejudica o desenvolvimento da vinha, daí a importância do equilíbrio.
O uso de produtos químicos é aceito, desde que com parcimônia e bom senso. É permitido, por exemplo, o uso moderado de enxofre e da chamada “calda bordalesa” (sulfato de cobre, cal e água) para combater doenças graves da vinha. Essa parte gera alguns mal-entendidos. Lis Cereja, estudiosa e grande conhecedora dos naturebas, escreve: “Muita gente faz confusão com essas coisas, usando o termo produto químico quando, na verdade, quer dizer sintético. Por exemplo: cobre é um elemento químico? É. Mas é um elemento natural, que não foi sintetizado. Um pesticida, por sua vez, pode ser sintetizado pela indústria, ou seja, produzido artificialmente”. São os chamados agrotóxicos.
Na cantina, as restrições são menores. Alguns produtores utilizam leveduras industriais – uma ironia, pois se o objetivo é retratar de maneira intensa o terroir, a melhor maneira seria utilizar as leveduras nativas, próprias da uva e do local.
Para ser considerado orgânico, pelo menos uma das etapas da produção do vinho – no vinhedo ou na vinificação – deve seguir estritamente as práticas estabelecidas. Normalmente, os produtores adotam os preceitos orgânicos apenas no campo e por isso o correto é constar do rótulo não vinho orgânico e sim “Produzido com uvas cultivadas organicamente”. Na Europa, esses produtos são chamados também de Biológicos – ou simplesmente “Bio”.
Biodinâmicos e naturais
Por sua vez, a biodinâmica parte do cultivo orgânico, mas vai ao rigor extremo e se aplica tanto às uvas, quanto à vinificação e ao vinho. Seus princípios foram definidos a partir das propostas feitas em 1924 pelo filósofo austro-húngaro Rudolf Steiner (1861-1925), para quem o campo é um ser vivo que tem um equilíbrio natural e que é preciso manter.
Na biodinâmica, cada fazenda ou propriedade rural é uma individualidade integrada; são adotadas práticas naturais de conservação de solo; é vedado o uso de fertilizantes ou agrotóxicos químicos; a vitalidade do ambiente e das plantas é conseguida com a aplicação de preparados biodinâmicos homeopáticos à base de estrume de animais e ervas. A determinação dos momentos mais adequados para os trabalhos agrícolas, como plantio, poda e colheita, é feita pela observação das fases da lua e das estações do ano. Na cantina busca-se uma intervenção mínima na vinificação. Mas não é vetado o uso moderado de sulfitos para proteger o vinho da oxidação.
Já no chamado vinho natural nem isso é permitido. O conceito de vinho natural é aplicado mais ao processo de elaboração na adega do que às práticas agrícolas. Os produtores usam apenas leveduras presentes na casca da uva, são totalmente contra sulfitos e não fazem intervenções para corrigir eventuais deficiências na fermentação.
A adoção de práticas orgânicas ou biodinâmicas pode ser certificada por organismos especializados ou não ocorrer. A icônica vinícola francesa Romanée Conti, por exemplo, adota a filosofia orgânica desde 1985, sem mencionar isso no rótulo. Certificados ou não, o objetivo dos produtores é oferecer vinhos saudáveis, mais benéficos para a saúde humana.
Na prática, alguns vinhateiros acabam mesclando processos e filosofias dos diferentes grupos, usando o que interessa mais para seu vinhedo e seus vinhos. Podem adotar cultivo orgânico e algumas técnicas biodinâmicas, podem fazer uma agricultura sustentável e vinificação natural e assim por diante. Como em tudo, vale o respeito e a seriedade do trabalho.
Selecionamos alguns vinhos provados na Feira Naturebas 2018 que ilustram bem o potencial dos vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais.
Os vinhos
Vinhas do Tempo Pinot Noir 2018
Vinhas do Tempo – Monte Belo do Sul, RS – Brasil – R$ 120 – Nota 91
O tinto delicioso produzido pelo jovem enólogo Daniel Lopes traduz de modo sutil a tipicidade da Pinot Noir. Daniel, hoje com 31 anos, tem na bagagem, trabalho com Vilmar Bettú e também experiência de dois anos em vinícolas da Borgonha, terra de origem desta variedade temperamental. Compra uvas e leva para vinificar na casa que era dos avós. Produz bancos, tintos e espumantes pelo processo natural, que ele prefere chamar de “livre”, com intervenção mínima, em pequenas quantidades. Vinhos alegres e despretensiosos. O tinto, frutado, lembra nos aromas pitanga e cereja. Em corpo médio, tem boa estrutura e acidez, taninos maduros e final agradável, persistente (12%). Mostra que Daniel Lopes tem talento para aventuras de maior porte.
Vinhas do Tempo – daniel@vinhasdotempo.com.br. – https://www.instagram.com/vinhasdotempo.
Faccin Cabernet Franc 2017
Família Faccin – Monte Belo do Sul, RS – Brasil – R$ 80 – Nota 90
Antônio Faccin e o filho Bruno, descendentes de imigrantes italianos, possuem 5 hectares de vinhas no Vale dos Vinhedos e uma vinícola artesanal. Tentam fazer a conversão do campo para cultivo orgânico, encontrando empecilhos, segundo o jovem Bruno, por causa do clima úmido da Serra Gaúcha. Na cantina, entretanto, a vinificação é inteiramente natural. Só usam leveduras selvagens, contidas na própria casca da uva, sem sulfito adicionado (só o que a própria uva produz, menos de 5 gr/litro), não estabilizam o vinho com química, não fazem nenhuma correção artificial, não filtram. A produção é pequena, de apenas 5 mil garrafas por ano, e bem cuidada. Oferecem um branco de Riesling Itálico bastante interessante. O tinto de Cabernet Franc também é muito gostoso, leve, expressando a qualidade da fruta colhida na Linha Baixa Armênia. Delicado, macio, com boa acidez, é redondo e desce facilmente. Tem somente 9% de álcool por volume. Bruno Faccin explica que o ano foi muito chuvoso, dificultando a maturação dos cachos. Mas ele e o pai preferem manter a baixa graduação, com equilíbrio natural, do que fazer a chaptalização, ou seja, a correção com adição de açúcar de cana, mesmo autorizada pela legislação.
Faccin – faccinvinhos@yahoo.com – Tel.: (54) 99614-6331.
Terredellatosa Gutturnio Superiore 2015
La Tosa – Emilia-Romagna – Itália – Vin D’Ame – R$ 189 – Nota 91
A vinícola nasceu nos anos 1980 em Vigolzone, perto de Piacenza, onde os irmãos Stefano e Ferruccio Pizzamiglio, de Milão, ambos médicos por formação, plantaram 19 hectares de vinhedos, sendo 13 ha. próprios e 6 ha. em parcelas adjacentes arrendadas de agricultores parceiros. No campo, buscam manejo com respeito ao meio ambiente. O solo é enriquecido com materiais orgânicos e, durante o verão, as folhas são pulverizadas com extrato de algas, para renovar as videiras. Seu tinto foi vinificado pelo processo natural, sem nenhuma adição de anidrido sulfuroso – contém somente 8 mg de sulfitos naturais, resultantes da fermentação. Mescla de 65% Barbera e 35% Bonarda, sem estágio em madeira, traz ao nariz fruta vermelha madura e notas de cacau. Na boca é amplo, gordo, equilibrado, apresenta boa estrutura e acidez, com final persistente, em que volta o toque de cacau. Macio, limpo, fácil, já está pronto para beber (15%).
Vin D’Ame Importadora – São Paulo/SP – Tel.: (11) 2384-6946 ou (11) 2384-6952 – e-mail: contato@vindame.com.br.
Terroir Sonoro El Perseguidor Malbec Centenário 2015
Terroir Sonoro – Vale de Biobío – Chile – Vinho Mix – R$ 200 – Nota 92
Quando se fala em vinho natural, muita gente pensa em algo exótico, meio hippie. Terroir Sonoro, do enólogo e músico amador chileno Juan José Ledesma, só reforça esta imagem. Como o nome insinua, muitos de seus vinhos são vinificados com música. Mas não se enganem: são muito bons. Ledesma não tem vinhedos próprios e trabalha com pequenos produtores de Itata e San Rosendo, na região do Biobío, extremo sul do Chile. Começou em 2008. A teoria dele é que a música traz vibrações benéficas para o vinho. Parece estranho? Ledesma desenvolve uma ideia musical que expressa a personalidade de cada vinho. Também estuda as barricas, em busca de frequências e ressonâncias próprias. Depois, leva isso para músicos profissionais amigos, que improvisam sobre o tema. A música é gravada em estúdio e então reproduzida em cada barrica por meio de indutores de imersão, 24 horas por dia, todos os dias, até o final da vinificação. Mais ainda, Ledesma costuma produzir o mesmo vinho em duas versões, com e sem música, e os resultados, para surpresa geral, são diferentes. É o caso do Malbec produzido com uvas de vinhas com mais de 150 anos, de um pequeno agricultor de San Rosendo, certamente as mais velhas desta casta encontradas no Chile e, talvez, no mundo. Com elas, o jovem enólogo elaborou o Tartufo Malbec Centenário 2014, sem música, e este El Perseguidor Malbec Centenário 2015, com música. Os dois são bons, mas mostram diferenças – e o tinto embalado pela música parece mais complexo. Nos aromas há fruta madura, evoluída, lembrando doce de figo. Sutil, delicado, em corpo médio, é equilibrado, elegante, macio, longo, delicioso. O Tartufo Malbec já está em nosso mercado (R$ 170). O El Perseguidor deve chegar ao Brasil em breve. Vale aguardar e provar (14%).
Vinho Mix – Loja Virtual/RJ – contato@vinhomix.com.br.
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