Uruguai, Tannat em diversos estilos e outras uvas
Como fazem todos os anos, na semana passada as vinícolas uruguaias organizaram aqui seu Tannat Tasting Tour. Na prova realizada em São Paulo (a feira foi levada também ao Rio de Janeiro e a Campinas) foi possível conhecer ótimos vinhos. A Tannat com certeza é a grande referência do país e mostrou que, bem cuidada, dá tintos de primeiríssima linha, em diferentes estilos. Mas o Uruguai não é só Tannat, pois oferece também rótulos de classe a partir de Merlot, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Syrah, Sauvignon Blanc e de outras castas.
Brasil é o principal destino dos vinhos uruguaios, representando 60% das exportações locais. No ano passado nosso pequeno vizinho registrou crescimento histórico de mais de 30% nas vendas ao mercado brasileiro, o que somou perto de 3 milhões de litros. É o sétimo maior fornecedor de vinhos finos importados pelos distribuidores daqui.
O Tannat Tasting Tour 2018 foi organizado por Wines of Uruguay e pelo Inavi – Instituto Nacional de Vitivinicultura do Uruguai. Participaram dos eventos 25 vinícolas: Alto de la Ballena, Ariano, Artesana, Bouza, Bracco Bosca, Carrau, Casa Grande, Castillo Viejo, Cerro Chapeu, De Lucca, El Capricho, Establecimiento Juanicó-Família Deicas, Familia Dardanelli, Familia Traversa, Favretto Dragone, Filgueira, Finca Narbona, Garzón, Marichal, Montes Toscanini, Nabune, Pisano, Pizzorno, Viña Edén e Viña Progreso.
Em São Paulo, os jornalistas especializados puderam provar ainda 14 tintos especiais com predominância de Tannat, em master class comandada pelos sommeliers Federico de Moura e Diego Arrebola, eleitos respectivamente os melhores profissionais do segmento no Uruguai e no Brasil.
Evolução
A cada ano se confirma a evolução dos vinhos uruguaios, mostrando que o tempo dos Tannat rascantes e rústicos ficou para trás. Como se sabe, a Tannat é originária do Madiran, no sudoeste da França, e foi trazida ao Uruguai nos anos 1870 pelo imigrante francês basco Pascual Harriague, que instalou uma pequena bodega em Salto, noroeste do país. A uva depois se espalhou por outras regiões.
Sofreu adaptações com o tempo e passou a ser chamada de Harriague, o nome de seu introdutor. Décadas mais tarde, estudos ampelográficos mostraram que a Harriague era a Tannat francesa. Dava tintos com muita cor e excessivamente tânicos, adstringentes – não por acaso, o nome da uva faz referência à sua grande carga tânica.
Além disso, o índice pluviométrico lá é grande – como na nossa Serra Gaúcha. Com medo de prejuízos, muitos viticultores colhiam as uvas antes de atingirem seu melhor ponto de maturação, daí resultando taninos verdes, duros e agressivos.
Colonizados principalmente por europeus, os uruguaios eram grandes bebedores de vinho, mesmo aqueles tintos ásperos e robustos. Mas depois o mercado consumidor mudou e, para sobreviver, os produtores locais trataram de se modernizar. O primeiro salto foi dado nos anos 1990, quando o Inavi, já em mãos de gente do setor, e não mais apenas do governo, estabeleceu regras para a produção, estimulou a melhoria na qualidade dos vinhos e patrocinou o replantio dos vinhedos. As plantas antigas, com muitas doenças, foram substituídas por mudas europeias certificadas e sadias.
Recentemente houve novo salto, com investimentos em projetos modernos, mentalidade aberta e chegada às bodegas de novas gerações de herdeiros e de enólogos. Hoje todos os vinhedos uruguaios são monitorados por georreferenciamento. O resultado das mudanças aparece com a oferta de ótimos tintos a partir de Tannat, Merlot, Cabernet Franc, Tempranillo e Syrah, e de brancos, especialmente de Sauvignon Blanc e Alvarinho.
Tannat predomina
O Uruguai tem 176 mil km², apenas 3,4 milhões de habitantes e sua população continua grande apreciadora de vinho – com 24,5 litros per capita por ano está entre os maiores consumidores do mundo. Tem ecossistema muito puro, protegido. O clima é temperado. Apesar de se situar na mesma latitude do Chile (vale del Maipo) e Argentina (Mendoza), ele é mais frio e úmido, pela influência do Atlântico e do delta do Rio da Prata, com maior similaridade com a Nova Zelândia.
Boa parte das vinícolas se concentra no Sul do país (Canelones, Montevidéu, San José e Florida) e Sudoeste (Colonia del Sacamento). Mas há vinhas também no Sudeste (Maldonado), no Centro (Durazno) e no Norte do país, fronteira com o Brasil (Rivera).
Há 7 mil hectares plantados com uvas. A Tannat representa 49% do total, seguida por Merlot (19%), Cabernet Sauvignon (10%) e Cabernet Franc (7%). Entre as brancas, predomínio de Sauvignon Blanc (32%), vindo depois Chardonnay (20%), Viognier (8%) e Alvarinho (5%). As 190 bodegas uruguaias entregam 132 milhões de garrafas por ano – o quarto maior produtor da América Latina.
Com as mudanças e investimentos verificados nos últimos anos, a maior beneficiada foi, sem dúvida, a Tannat. Ao contrário do que muita gente pensa, não é uma uva difícil. É até de manejo relativamente fácil e se adaptou bastante bem ao solo e clima uruguaios. Tem ciclo vegetativo médio, o que permite chegar à maturação mais cedo e ser colhida em março, antes do período de maior chuva. A Cabernet Sauvignon, por exemplo, tem ciclo longo e não amadurece bem em anos mais chuvosos.
Com o tempo, os enólogos aprenderam a domar e a tornar amigáveis os taninos da Tannat. Segundo eles, o segredo é diminuir o rendimento da planta. Isso ajuda a alcançar o necessário equilíbrio entre o nível de açúcar e a acidez. A passagem pelo carvalho, americano ou francês, ajuda igualmente a arredondar os taninos.
Alguns enólogos pretendem amaciar a Tannat agregando ao corte Merlot ou outras variedades. Mas a casta mais emblemática do Uruguai proporciona grandes vinhos sozinha, desde que bem trabalhada, amadurecendo adequadamente e com baixos rendimentos.
No Tannat Tasting Tour 2018 foi possível provar tintos de excelente qualidade, elaborados com outras castas internacionais. Entre eles, o Bracco Bosca Gran Ombú Merlot e o Bracco Bosca Ombú Moscatel 2018, da família da dinâmica Fabiana Bracco (Domno do Brasil); o Garzón Petit Clos 2016, 100% Cabernet Franc (World Wine); e o irreverente De Lucca Nero D’Avola 2018, de Reinaldo de Lucca (Premium).
Mas destacamos aqui alguns tintos produzidos a partir da emblemática Tannat, sozinha ou em corte, para mostrar do que esta uva, por vezes incompreendida, é capaz.
Os vinhos
Pizzorno Tannat Maceración Carbónica 2016
Bodega Pizzorno – Canelones – Uruguai – Grand Cru – R$ 74,90 – Nota 90
O processo de maceração carbônica é usado para obter em curto espaço de tempo a força da fruta, sem a extração exagerada de taninos. Resulta normalmente em vinhos jovens e frutados, como o Beaujolais francês e também este Tannat. Os cachos são colocados inteiros para fermentar nos tanques. O peso dos que estão em cima faz romper os grãos abaixo e assim se inicia a fermentação. A pressão do gás carbônico provoca uma espécie de explosão no interior das uvas que estão acima, o que libera todo o mosto. O tinto é muito frutado, jovial e expressa bem o caráter da variedade. Ao nariz mostra notas florais, em base de framboesa. É leve, sem ser diluído, equilibrado, com muito boa acidez e frescor. Fácil de beber e gostoso (13,5%).
Ysern Gran Tradición Tannat 2016
Bodega Cerro Chapéu – Cerro Chapéu – Uruguai – Vinhos do Mundo – R$ 85 – Nota 91
A família Carrau, com tradição vinícola secular na Espanha, chegou ao Uruguai em 1930 e se estabeleceu em Canelones e na região de Montevidéu, no sul do país. Teve também passagem pelo Brasil, onde criou o histórico Château la Cave, em Caxias do Sul. Há 40 anos comprou terras em Rivera, no Norte uruguaio, a 12 km da cidade gaúcha Santana do Livramento. Solos arenosos, com boa drenagem. Em 1997, foi erguida no local uma adega com tecnologia atualizada. Recentemente a empresa foi dividida entre os herdeiros da família e em 2017 surgiu a Bodega Cerro Chapeu, comandada pelos irmãos Margarita, Gabriela e Francisco Carrau. Em seu tinto Ysern, 80% das uvas Tannat vêm dos vinhedos de Rivera e 20%, de Canelones. Repousa por 18 meses em barricas de carvalho francês e americano. É frutado, macio, equilibrado e gostoso. Madeira e fruta estão bem integradas e a acidez firme reforça o frescor final. Um Tannat de perfil moderno, gastronômico (12,5%).
Luz de Luna Tannat 2014
Finca Narbona – Colonia del Sacramento – Uruguai – Devinum – R$ 300 – Nota 92
Finca Narbona se situa em Puerto Carmelo, Colonia del Sacramento, no Sudoeste uruguaio. Existe desde 1909 e foi inteiramente renovada ao ser comprada, em 2010, pelo mega empresário argentino Eduardo “Pacha” Canton, que ergueu ali um bem planejado complexo turístico. Na vinícola, a equipe é liderada pela jovem enóloga Valéria Ciolá e por sua prima Fabiana Bracco, que responde pela parte comercial. O tinto, de perfil moderno, Tannat 100%, é produzido com uvas de cinco parcelas diferentes do vinhedo, estágio de 19 meses em barricas de carvalho francês e outros 27 meses na garrafa. No nariz há notas florais e de tabaco, em base frutada, a cassis. Complexo, elegante, suculento, tem grande massa tânica, de boa qualidade, refinada, sem excessos de extração. Um vinho para guarda (14,6%).
De Lucca Rio Colorado 2011
Bodegas De Lucca – Canelones – Uruguai – Premium – R$ 307 – Nota 93
Reinaldo de Lucca é objetivo e direto, como seus vinhos. Hoje ele divide a direção da vinícola com a filha, a simpática Agostina – e, como em toda boa família italiana, estão sempre discutindo! Rio Colorado, cujo nome faz referência ao rio que corta a região, é um tinto clássico, corte de 40% Tannat, 40% Cabernet Sauvignon e 20% Merlot de parcelas selecionadas, amadurecido por 18 meses em barricas de carvalho francês novas e usadas. Traz ao nariz ameixa, ervas, especiarias e tabaco. Tem bom corpo, é potente, macio, elegante, equilibrado, com boa acidez e frescor. Um tinto delicioso (13,5%).
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