by José Maria Santana | 13/02/2019 19:11
Entrevista: Dominic Symington
A Symington, uma das grandes empresas portuguesas do Vinho do Porto, e que também produz tintos e brancos com a DOC Douro, está esperando mais algumas semanas para avaliar o desenvolvimento dos vinhos da colheita de 2018. Foi um ano difícil, que teve de tudo: seca prolongada nos primeiros meses e chuva torrencial no período seguinte. O clima só deu trégua ao chegar a época da vindima, quando fez sol e calor. No fim, uma safra reduzida em quantidade e com expectativa de grande qualidade.
“Temos indicadores que apontam para ótimos vinhos, mas sempre esperamos passar o primeiro inverno para ver como vão realmente evoluir”, diz Dominic Symington, 62 anos, um dos dirigentes da empresa da família. Dominic veio esta semana mais uma vez ao Brasil para promover seus rótulos, distribuídos aqui pela importadora Mistral, de Ciro Lilla.
A empresa produz 24 milhões de garrafas de Vinho do Porto, com as marcas Graham’s, Warre’s, Dow’s, Cokburn’s e Quinta do Vesúvio, além de 200 mil garrafas de vinhos de mesa. Fundada em 1882 pelo escocês Andrew James Symington, é comandada pela quarta geração de descendentes – Paul e seu irmão Dominic e os primos Johnny, Charles e Rupert. Paul era o presidente da empresa até se aposentar no final do ano passado, ao atingir 65 anos, idade limite estabelecida pela família para permanência dos executivos na linha de frente. Agora está no Conselho da empresa e passou a presidência apara o primo Johnny.
No relatório sobre a vindima de 2018, o último que assinou como presidente do grupo, Paul descreve as dificuldades climáticas, lembrando que se esperava um ano tranquilo após “o mais seco ciclo de sempre, em 2017”, o que acabou não acontecendo. O Douro sofreu 20 meses seguidos de chuva muito abaixo da média. A estiagem terminou abruptamente com as chuvas tropicais de março a maio, culminando com uma forte tempestade no dia 28 desse último mês. Houve mais. “O abrolhamento atrasou-se três semanas”, escreveu ele, “fruto da primavera úmida e fresca e o pintor chegou com duas semanas de atraso face à média”.
Finalmente, um padrão de clima mais perto do habitual instalou-se em julho e seguiu favoravelmente até outubro, permitindo às uvas que sobreviveram às agruras do tempo chegarem à maturação plena. Em algumas quintas houve quebra de produção de até 40%. Devido às produções muito baixas (e em parte por causa delas), a Symington produziu alguns excelentes vinhos do Porto e DOC Douro em 2018.
O relatório também expressa as preocupações da família Symington com as dificuldades enfrentadas pelo setor, especialmente pelos 16 mil pequenos lavradores do Douro. O Vinho do Porto sempre sustentou a economia do Douro. A queda de vendas observada nos últimos anos afeta a todos e há problemas na regulamentação da atividade. O crescimento da produção de vinhos de mesa pode ajudar a equilibrar esse jogo. Dominic Symington fala sobre tudo isso nesta entrevista a Brasil Vinhos, dada esta semana em sua visita a São Paulo. Segundo ele, a economia de Portugal como um todo está se recuperando depois de forte crise. E ele espera que o mesmo equilíbrio chegue ao Douro.
Como está Portugal hoje?
As coisas estão substancialmente melhores. Tivemos um período, de 2008 a mais ou menos 2015, que foi mesmo muito, muito complicado. Portugal, como muitos outros países no mundo, sempre gasta mais do que recebe. Quando houve a crise econômica, não havia liquidez, dinheiro para pagar os juros e a dívida dos empréstimos feitos pelo governo. O Banco Mundial entrou no país, tomou conta da administração fiscal do governo, impôs muitas restrições e toda gente teve um aumento de impostos de 11%. Agora estão começando a retirar isso, embora sempre sobre alguma coisa.
E como se percebe que as coisas estão melhorando?
Nos últimos quatro ou cinco anos Portugal virou o país da moda como destino turístico internacional. Sobretudo as cidades de Lisboa e do Porto. É uma coisa extraordinária. Eu espero que isso possa continuar, não seja apenas uma bolha. Isso trouxe imensa liquidez para a economia, pois os turistas se alojam nos hotéis, comem em restaurantes, levam lembranças, compram o nosso vinho. E, mais importante, passam a conhecer melhor os vinhos nacionais, tanto o Porto quanto os tintos e brancos de mesa.
Mas o vinho de Portugal já não é bastante conhecido no mercado internacional?
É um fenômeno recente. No Brasil, pela proximidade entre os dois países, pela cultura e língua comuns, o vinho português é bastante conhecido. Mas é uma exceção, isso não acontece em outras regiões. Os produtos de Espanha e Itália têm renome, sem falar naturalmente da França, um ícone. Já Portugal, mesmo dentro da Europa, não tinha presença. Só agora isso começa a mudar e há uma grande possibilidade de crescimento consistente das exportações. Antigamente uma loja em Nova York comprava só uma garrafa de vinho português e não sabia onde colocá-lo. Agora não, há uma prateleira inteira com vinhos de várias marcas e uma bandeirinha de Portugal identificando a procedência.
E como está o grupo Symington atualmente?
Apesar da crise econômica temos tido um crescimento sustentado e nossa performance foi melhor do que a de muitas outras empresas. Desde 2000, ou 2001, as vendas globais do Vinho do Porto têm diminuído quase constantemente, ano após ano. O setor está vendendo 20% menos em volume do que vendia antes, especialmente Porto da gama de entrada. Já o nosso grupo, se não tem crescido, tem conseguido manter o nível anterior. Além disso, conseguimos agregar mais valor à empresa, com pequenos aumentos de preço. E a nossa cota no mercado global cresceu. Hoje nas categorias superiores do Vinho do Porto temos um terço das vendas do setor. Isso, claro, também aumenta nossa responsabilidade. É preciso defender o Vinho do Porto, conquistar novos mercados, promover ações, pois a concorrência internacional é feroz.
A Symington é a empresa que tem mais vinhas no Douro, não?
Só se faz um grande vinho se houver um grande terroir. E para salvaguardar a qualidade dos nossos vinhos premium achamos que devemos ter vinhedos próprios capazes de sustentar nossa produção. Temos 1.065 hectares de vinhas, em 26 quintas no Alto Douro. Elas fornecem a maior parte das uvas necessárias para os vinhos de qualidade superior que produzimos.
Mas vocês também compram uvas de lavradores da região?
Compramos de uns 1.200 lavradores do Douro, muitos dos quais estão conosco há várias gerações. Mas há um fenômeno recente. Antes havia muitos lavradores cuidadosos que nos vendiam suas uvas e elas entravam nos nossos melhores produtos. Hoje, muitos desses agricultores decidiram produzir seus próprios vinhos, geralmente de mesa, de modo que não nos atendem mais. Continuamos amigos de todos eles, mas temos de garantir o abastecimento das nossas linhas. Aliás, antes nem era permitido produzir vinhos de mesa no Douro, só Porto. A legislação mudou em 1986 e hoje está em moda elaborar tintos e brancos da DOC Douro, isto é, vinhos de mesa. Portanto, isso nos estimulou a ter vinhedos que garantam a base dos nossos grandes vinhos.
E vocês continuam comprando quintas?
Continuamos (risos), o que é um problema. Na verdade, o que temos feito mais é comprar propriedades contíguas às nossas quintas, de modo que o número de propriedades permanece o mesmo, só o terreno é que tem aumentado. Por exemplo, quatro anos atrás compramos 20 hectares vizinhos da nossa Quinta dos Malvedos. Portanto, só mudamos a fronteira 500 metros para o lado. Mas se aparecer à venda alguma quinta muito boa, estamos sempre dispostos a comprá-la.
O relatório da colheita de 2018 traz várias preocupações da família Symington com o futuro da região. Por quê?
O que acontece é que o governo promoveu um estudo sobre o futuro do Douro, do Vinho do Porto e dos vinhos de mesa, e a conclusão é que estava tudo bem e havia uma projeção para o futuro em que o setor iria crescer e teria anos de tranquilidade. Aí perguntamos: onde eles viram isso? Nos últimos 19 anos o volume total de vendas de Vinho do Porto tem sucessivamente vindo a baixar. Apenas algumas empresas mantiveram a performance, como Ferreirinha, Taylor’s, Noval e nós. Dissemos então que o estudo não tinha fundamento e que eles não estavam enfrentando a realidade.
Acha então que a imagem real da região é outra?
Durante muito tempo as pessoas olharam para o Douro como uma misteriosa e bela região, parada no tempo, onde vinhos do Porto e Douro podem ser produzidos a baixo custo, dependentes de um sistema regulatório, hoje tão distorcido, de remunerações baixas e de mão-de-obra abundante. As duas últimas vindimas mostraram que são necessárias mudanças para podermos continuar a produzir os vinhos do Porto e Douro com a qualidade que todos desejam.
Quais então os principais problemas que ocorrem na região?
Há por exemplo, um grave problema de regulamentação, que não sabemos como se resolve, que é o benefício. Como se sabe, o benefício é a quantidade de Vinho do Porto que cada empresa pode produzir, determinada anualmente pelo Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, que gere as atividades do setor. O IVDP leva em conta os estoques existentes, a classificação de cada quinta e outras variáveis. Depois de ser atingida a quota de Vinho do Porto, as uvas que restam são utilizadas para a produção de vinhos de mesa. No passado, as melhores uvas eram exclusivamente utilizadas para a produção de Vinho do Porto. Agora é preciso buscar um equilíbrio.
Historicamente, esse processo deu certo?
Quando o sistema foi concebido, em 1935, funcionava relativamente bem. As grandes empresas investiam dinheiro em favor da população. O governo estabelecia o preço das uvas, nós pagávamos os lavradores e isso alimentava financeiramente a região. Como no Douro não se podia produzir vinho de mesa, as uvas excedentes eram um produto secundário. Portanto, a indústria vitícola era sustentada quase exclusivamente pelo Vinho do Porto. Em um mercado crescente ano a ano, funcionava. Mas a redução das vendas de Porto ocasionou também a queda da procura pelas uvas que dariam origem a esses vinhos. Com isso, o lavrador deixa de receber dinheiro.
O fenômeno dos vinhos de mesa no Douro não compensa isso?
No final dos anos 1990, depois da mudança da lei que permitia produzir apenas Porto no Douro, houve a explosão dos vinhos de mesa, especialmente os tintos, mas isso aconteceu com base no preço irreal das uvas, subsidiado pelo preço das uvas para Porto. Houve então um desequilíbrio. O custo da uva para Porto está entre 1 euro e €1,20 o quilo. Já o preço do quilo de Touriga Nacional que não tem o benefício é de 60 cêntimos. Nossa preocupação é que o crescimento do setor de vinhos está baseado num falso valor. Se o lavrador tinha 10 mil kg de uva e vendia 8.000 kg ao preço do benefício para Vinho do Porto e 2.000 kg a preço secundário, o balanço era viável. Como agora as vendas para Porto estão diminuindo, no exemplo acima ele vende de 6.000 a 7.000 kg. Portanto, fica com mais excedente de uvas secundárias e o equilíbrio econômico começa a ser rompido.
Qual seria a solução?
Achamos que não se deve eliminar simplesmente o sistema de benefício, pois quebraria a base econômica que sustenta a região há mais de 70 anos. Mas isso precisa ser estudado e debatido entre todas as partes envolvidas. Talvez, seja o caso de introduzir um benefício também para os vinhos de mesa e tentar equilibrar as duas áreas.
A quebra de produção em 2018 não fez aumentar o preço das uvas?
Foi o segundo ano seguido com produções baixas e houve de fato uma corrida para obter uvas, especialmente por parte daqueles com poucas vinhas próprias. Os preços dispararam, o que é provavelmente algo de muito bom para os lavradores, que se debatem com dificuldades há vários anos.
A Symington tem feito pesquisas com as castas tradicionais do Douro e até plantações experimentais. Já há algum resultado disso?
Começamos a fazer ensaios de porta-enxertos por volta de 1996-97. Fizemos ainda estudos para ver quais as melhores combinações entre os porta-enxertos e as uvas viníferas usuais no Douro. E em 2014 plantamos na Quinta do Ataíde, no Douro Superior, uma vinha experimental, chamada Coleção de Castas, com 53 variedades diferentes, a maioria autóctones, e algumas internacionais, para ter uma comparação. Há várias razões para as pesquisas. Uma é a mudança climática pelo aquecimento global. Precisamos entender quais raízes são mais resistentes ao calor e à seca. Esse tipo de investigação não é feito pelos institutos públicos nem pelas universidades.
E no caso das castas?
As pesquisas têm procurado ressaltar a importância de algumas castas do Douro que andam esquecidas. Muitas delas deixaram de ser utilizadas depois dos anos 1980, quando os viticultores concentraram-se na Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Tinta Barroca e Tinto Cão. Estas variedades são importantes, não há a menor dúvida, mas o trabalho fabuloso de investigação feito na época foi pensado para o Vinho do Porto e agora o Douro tem também a vertente dos vinhos de mesa. Há outras castas que podem dar sua contribuição. Meu primo Charles, o enólogo do grupo, por exemplo, tem apostado bastante na Souzão e na Alicante Bouschet, que são resistentes ao calor, são tintureiras e têm uma acidez bastante firme, o que dá frescura aos tintos. Elas já começam a entrar nos nossos vinhos, inclusive no Graham’s Vintage e nos tintos da Quinta do Vesúvio.
Com as mudanças climáticas, o Douro ficou realmente mais quente?
Sim. Temos registro das temperaturas médias medidas na nossa Quinta do Bonfim, no Cima Corgo, desde 1947. Tiramos a média total e a média de 10 em 10 anos e vimos que hoje o Douro está 1,9° C mais quente do que o observado no padrão histórico.
Como isso afeta a produção dos vinhos brancos?
O Douro produz grandes vinhos brancos, mas são um desafio, aumentado pelas mudanças climáticas. Temos buscado maneiras de contornar isso. As vinhas antigas ficavam a 30 ou 50 cm do chão e, atualmente, estamos elevando acima disso as primeiras linhas de condução das parreiras para aumentar o arejamento por baixo da planta e, portanto, trazer mais frescura. Outra possibilidade é elevar a altitude das vinhas, o que no Douro é uma vantagem, pelo perfil orográfico da região. Plantando até 800 m acima do nível do mar temos uvas e vinhos mais frescos.
Hoje a produção da Symington é 88% de Porto e 12% de vinhos de mesa. Pretendem alterar essa composição?
No caso dos tintos e brancos de mesa, as nossas vendas estão crescendo de 3,5% a 4% todos os anos. E a nossa intenção é de continuar a crescer sempre mais. Nem todas as nossas marcas têm vinhos DOC Douro. Acho que no futuro algumas de nossas quintas mais importantes, como a de Malvedos, que integra o patrimônio da Graham`s, virão a produzir também tintos e brancos de qualidade. Ainda não há planos, mas já debatemos isso na família e eu não tenho dúvidas de que um dia vai acontecer.
Como está o mercado brasileiro para a Symington?
O Brasil, até um certo ponto, é uma montanha-russa. Os fluxos econômicos brasileiros têm um impacto bastante importante, pois influenciam o poder de compra da população e, em consequência, as vendas. Temos percebido também que, apesar do sobe-desce, as quedas a cada vez são menores e, no período seguinte, avançamos para além do que estávamos antes. A tendência é crescer. Mas a taxa de impostos no Brasil não ajuda em nada. Há muitos exemplos em outros países que mostram que, reduzindo a carga fiscal a um nível aceitável, as vendas aumentam e governo recebe a mesma coisa ou até mais. Não sei como ainda não perceberam isso.
Por fim, o que espera para o futuro do Douro?
Penso que para o Douro ser uma região vitícola sustentável temos que crescer os vinhos de mesa. O futuro está no equilíbrio entre a produção de Porto e a de vinhos de mesa. Hoje a proporção de Porto é amplamente majoritária. Se esta relação for de 50% para cada lado vai ser bom para o setor e para todo o Douro. O Vinho do Porto não vai desaparecer, mas acho que vai reduzir em quantidade, pois as linhas de entrada tendem a diminuir, como já ocorre. E o Vinho do Porto só terá futuro se todas as pessoas envolvidas apostarem na qualidade.
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