by José Maria Santana | 27/03/2019 00:00
Depois de ficar dois anos praticamente sem presença em São Paulo, a prestigiada vinícola catarinense Villaggio Grando volta a abastecer regularmente o mercado do Estado. E desta vez, com um motivo a mais para festejar: comemora 10 anos de parceria com o grande enólogo português António Saramago, consultor da casa. Dias atrás, Guilherme Grando, sócio-diretor da empresa, esteve por aqui para promover seus vinhos, junto com o próprio Saramago, ainda em grande forma aos 71 anos.
Segundo Guilherme, depois que uma geada tardia em 2016 provocou importante quebra no rendimento dos vinhedos, só agora a vinícola conseguiu recuperar a produção normal e a capacidade plena de atender a clientela. Na prova organizada para jornalistas especializados em São Paulo, sob comando de Saramago, foram mostrados sete vinhos, com destaque para o branco Sauvignon Blanc 2018, os tintos Innobinabile Lote VI e Pinot Noir 2014, e o ótimo branco fortificado de sobremesa Marilla 2012.
A Villaggio Grando fica no distrito de Herciliópolis, município de Água Doce, no Vale do Contestado, Meio-Oeste catarinense. Seus vinhedos se situam a 1.329 m acima do nível do mar e a casa faz parte do grupo que produz os chamados Vinhos de Altitude de Santa Catarina. A vinícola foi fundada por Maurício Carlos Grando, dono de uma empresa exportadora de madeira da cidade de Caçador e de outros negócios no Estado.
O início
Pode-se dizer que um acaso levou Maurício Grando da madeira para o vinho. Nos anos 1990, ele recebeu um cliente francês do setor madeireiro e o levou a conhecer sua fazenda em Herciliópolis, onde começava a criar gado Red Angus, para obter carnes nobres. O visitante examinou a terra e comentou que a região tinha solo e condições parecidos com os de Armagnac, no sudoeste da França, onde sua família tinha vinhas e produzia os típicos destilados locais havia mais de 100 anos. Sugeriu que ali seria um bom local para plantar uvas.
Maurício ficou com aquilo na cabeça e tempos depois, em uma degustação, encontrou o enólogo franco-brasileiro Jean Pierre Rosier, que confirmou a indicação. Decisão tomada, iniciou o projeto em 1998. Antes de mais nada, fez convênios com orgãos oficiais de pesquisa, como Epagri-SC e Embrapa, e com o Instituto San Michele, da Itália.
O próprio Rosier trouxe mudas de viníferas da França, plantadas naquele mesmo ano. A Villaggio Grando preparou uma vinha experimental com mais de 100 variedades distintas, para avaliar as que mais se desenvolviam no terroir catarinense. As 20 consideradas melhores formaram a base de seus vinhedos. Os primeiros vinhos foram lançados em 2004 e logo fizeram sucesso. Hoje a empresa tem 45 hectares plantados com uvas, oferece 13 rótulos diferentes e produz cerca de 260 mil garrafas por ano. Maurício divide o comando da empresa com seus filhos Guilherme, Marilla e Bernardo.
Festa para os visitantes
A região serrana catarinense tem clima rigoroso, mas bem definido para cada estação do ano. No inverno, as geadas são frequentes e é comum a temperatura baixar a -10ºC. Durante o verão o calor alcança os 30º à tarde. Pode cair para 12º à noite e esta grande amplitude térmica favorece o amadurecimento mais lento e pleno das uvas. Com mais açúcar, elas dão origem a vinhos com mais álcool e estrutura.
A paisagem também é belíssima, um dos destaques da Villaggio Grando. A vinícola está integrada a uma propriedade rural com 1.000 hectares, onde há um bonito lago, araucárias e matas nativas preservadas. Além do vinho, ali a família Grando produz maçãs, bovinos da raça Red Angus e começou a criação de ovelhas. Há ainda dois hectares de oliveiras, base para uma futura marca própria de azeite. É uma festa para os visitantes, recebidos em um bem organizado serviço de enoturismo.
A parceria com Saramago
Um novo capítulo da Villaggio Grando começou há 10 anos, quando a família conheceu o experiente enólogo português António Saramago e o convidou a vir a Santa Catarina dar consultoria à vinícola. Ele havia provado e gostado do tinto Innominabile. Achou que ali havia bom potencial para vinhos de classe. Com 57 anos de estrada, a serem completados em maio, Saramago é o enólogo mais velho em atividade em Portugal e um dos profissionais mais respeitados do setor.
Começou a carreira em 1962, aos 14 anos, na casa José Maria da Fonseca, da Península de Setúbal, onde seu pai já trabalhava. Estudou Enologia em Bordeaux, com professores do porte do lendário Émile Peynaud. Ele nunca esquece uma frase que o mestre repetia aos alunos e ele sempre segue: “Fazer bem feito dá trabalho”. Ficou por 42 anos na José Maria da Fonseca e também assessorou outras empresas, como a Tapada dos Coelheiros. Em 2002 abriu sua própria vinícola, a António Saramago Vinhos, junto com a mulher, Ausenda, e os filhos Nuno e António.
O trabalho na Villaggio Grando foi iniciado em meados de 2009 e o primeiro vinho resultante da parceria, o tinto Além Mar, lançado já no ano seguinte. Saramago conta que ao chegar promoveu algumas medidas importantes. Na vinha, pediu mudanças nos métodos de condução e poda. É contra a irrigação. Pretende no futuro introduzir mais castas portuguesas.
Na adega, recomendou que os brancos fossem colocados mais cedo no mercado, para ressaltar o frescor. E passou a sempre vinificar os tintos com parte dos engaços, os cabinhos que formam os cachos, cuidando para que estejam bem maduros. “Isso ajuda a reforçar os taninos de maneira natural, e não por meio de artifícios, como chips de carvalho”, diz ele.
O enólogo português costuma vir duas vezes por ano ao Brasil, para acompanhar o trabalho da equipe da Villaggio Grando, chefiada pela jovem enóloga Alana Foresti. Ele participa da avaliação dos vinhos e ajuda a preparar os blends, como o que resultou no recente lançamento do tinto top MCG 2012. Homenagem ao fundador da casa, é um corte de Tannat, Malbec e Cabernet Franc. Passou dois anos em carvalho novo, foi sacado e, por indicação de Saramago, voltou para mais dois anos em barricas usadas.
O MCG 2012 foi degustado no evento realizado dias atrás em São Paulo. Muito bem feito, tem produção pequena e cara (R$ 300), pelos cuidados com que foi cercado. Para mostrar o que mais a Villaggio Grando produz, destacamos aqui outros quatro rótulos em diferentes faixas de preço.
Villaggio Grando Sauvignon Blanc 2018
Villaggio Grando – Água Doce, SC – Brasil – R$ 120 – Nota 90
Um branco diferenciado, vinificado em tanques de inox, sem passagem por madeira. Mostra aromas intensos de frutas tropicais, em que aparecem abacaxi e maracujá, em meio a notas florais a arruda. Há ainda algo mineral, que se destaca no nariz e na boca. Seco, vibrante, volumoso, oferece acidez equilibrada e bom frescor final (12,6%).
Innominabile Lote VI
Villaggio Grando – Água Doce, SC – Brasil – R$ 85 – Nota 90
Um tinto bem feito e produzido, pode-se dizer, de maneira nada usual. As uvas que entram na receita são as tradicionais Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Mabec, Marselan, Petit Verdot e Pinot Noit. Daí para frente, começam as novidades. Não tem indicação de safra no rótulo, pois é feito com vinhos de sete colheitas diferentes – 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2012. A cada ano, a equipe guarda 20% da mistura para agregar nas safras novas. Aliás, nota-se que na sequência foram pulados os anos de 2010 e 2011 que, segundo a vinícola, não alcançaram o padrão esperado. Por fim, o vinho amadureceu por 18 meses no carvalho. O resultado é um tinto equilibrado e macio, que traz ao nariz notas de cereja, tabaco, especiarias e algo de couro. Na boca é seco, estruturado, com taninos maduros, boa acidez e final longo. A alquimia funcionou (12,5%).
Villaggio Grando Pinot Noir 2014
Villaggio Grando – Água Doce, SC – Brasil – R$ 180 – Nota 91
Uma das boas novidades da vinícola. Um Pinot Noir com tipicidade e classe. Ficou 18 meses em carvalho novo, sacado, e voltou para outro tanto, o chamado estágio de 200%. A permanência por 36 meses em barricas poderia fazer supor um vinho com excesso de madeira. Não é o caso. Há fruta suficiente para equilibrar o conjunto. Traz ao nariz notas de cereja e pitanga, com toques de couro. A Pinot Noir, de modo geral, não dá vinhos muito estruturados. Para compensar isso, este ganhou volume com maceração prolongada, de 20 dias. Mas o destaque é a acidez, que contribui para a longevidade. Há equilíbrio e fineza. O enólogo António Saramago usou leveduras indígenas e entrega um segredo – o carvalho das barricas veio da floresta de Vosges, um tipo de madeira que marca menos o vinho que a extraída de outros locais de renome. Um grande tinto, de que foram produzidas apenas 1.700 garrafas (12,5%).
Villaggio Grando Marilla 2012
Villaggio Grando – Água Doce, SC – Brasil – R$ 250 – Nota 91
Um branco doce untuoso e rico, dos melhores nacionais para sobremesa já provados. Mostra a experiência do enólogo António Saramago, que aqui utiliza um processo bastante conhecido em Portugal, o de interromper a fermentação com a adição de aguardente vínica. Os vinhos fortificados ganham volume com a maior gradação alcoólica e mantêm a doçura natural da uva. No caso, duas castas nada habituais por aqui, Gros e Petit Manseng, mas presentes na bem fornida vinha experimental da Villaggio Grando. Originárias do Sudoeste francês, dão origem a brancos secos ou doces no Jurançon. Aqui, a colheita tardia promoveu a concentração de açúcar – no Marilla há 100 gr de açúcar por litro. A sensação de doçura, bastante perceptível, não se torna enjoativa, pela boa acidez. Com 30 meses de carvalho francês, os aromas também são agradáveis, mostrando baunilha, caramelo, mel e especiarias. Enfim, um branco licoroso que se bebe com prazer. A garrafa, redonda, comporta 500 ml de vinho. A propósito, o nome faz referência a Marilla, a única filha de Maurício Carlos Grando, o fundador da vinícola (17,5%).
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