Decanter Day 2019 traz joias do Velho Mundo
A importadora Decanter, de Adolar Hermann, realizou na semana passada em São Paulo mais uma edição do seu concorrido Decanter Day. Foram colocados em prova 137 vinhos de 45 produtores, só do Velho Mundo, com muitas preciosidades entre eles. O evento confirmou que a empresa catarinense é realmente uma das importadoras de vinho mais consistentes do país, com um catálogo impecável, garimpado nas melhores regiões produtoras do planeta.
A Decanter foi fundada em 1997 em Blumenau, onde mora a família Hermann. Começou pequena, cresceu, consolidou-se. Tudo fruto de muito trabalho de Adolar, de seu filho Edson e de toda a equipe da importadora, em que se destacam o gerente Cézar França e o sommelier Tiago Locatelli – que acaba de conquistar o título de Melhor Sommelier Brasileiro, ao vencer a etapa final do concurso realizado em maio na sede da ABS-SP.
No total, o portfólio da importadora reúne rótulos de 180 produtores, de 18 países. A empresa conta hoje com mais de 50 distribuidores por todo o Brasil, além da rede de 24 Enotecas Decanter, entre as já em operação e aquelas em processo de implantação, distribuídas por oito Estados brasileiros – São Paulo, Santa Catarina, Distrito Federal, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pará e Rio Grande do Sul. As Enotecas, misto de loja e Wine Bar, ajudam a difundir a cultura do vinho por todo o país.
A primeira importação
O início foi difícil. Adolar Hermann, de família simples, nasceu e se criou na área rural de um pequeno município do interior catarinense. Mas conseguiu estudar. Jovem, arrumou seu primeiro emprego em uma indústria têxtil de Blumenau. Começou de baixo, chegou a diretor e ficou lá por 38 anos. Em meados da década de 1990, com as dificuldades econômicas do setor têxtil, deixou a empresa. Estava com 57 anos e procurou alguma atividade para se ocupar na aposentadoria. Decidiu entrar no negócio do vinho, no qual já se envolvia como hobby.
Ao criar a importadora Decanter, Adolar fez sua primeira compra: 200 caixas do vinho argentino Luigi Bosca. Ao tentar vendê-las, descobriu que na época ninguém aqui conhecia vinhos da Argentina. Pior, as pessoas não queriam nem prová-los. Adolar não desistiu. Oferecia o Luigi Bosca, sem dizer que era argentino. Muita gente gostava e se surpreendia depois, ao descobrir a procedência. O trabalho de formiguinha deu certo e aos poucos a Decanter se firmou no mercado.
Nos últimos anos, Adolar concretizou outro antigo sonho. Além de importador, tornou-se também produtor de vinhos. É sócio da Quinta da Neve, de São Joaquim, em Santa Catarina, e dono da Vinícola Hermann, na Serra do Sudeste, no Rio Grande do Sul, onde são elaborados, por exemplo, os ótimos espumantes Bossa e Lírica e os tintos e brancos da linha Matiz.
Os vinhos
Hoje a importadora Decanter é conhecida pelo nível dos vinhos que distribui. Nem sempre são baratos, mas em seu catálogo há muitos rótulos diferenciados, que com certeza conferem prestígio a qualquer adega. Avaliamos alguns deles aqui, provados novamente no Decanter Day 2019.
Legado Muñoz Garnacha 2017
Bodegas Muñoz Artero – Tierra de Castilla – Espanha – Decanter – R$ 69,10 – Nota 90
A família Muñoz administra 380 hectares de vinhedos na DO La Mancha, uma das apelações que integram a região de Castilla-La Mancha, no centro da Espanha, terra de Dom Quixote. A denominação se estende por 192 municípios de quatro províncias – Albacete, Ciudad Real, Cuenca e Toledo – que ocupam a bacia alta do rio Guadiana e formam a maior zona vinícola do país e uma das mais extensas do mundo. O clima é continental, de extremos, e com pouca chuva, dando origem a tintos potentes e com muita fruta madura. Ali nasce o Legado, 100% Garnacha, de vinhas com 25 anos de idade. Tinto de entrada, estagia por três meses em barricas de carvalho americano. Traz ao nariz notas florais e de chocolate, em base de groselha madura e framboesa. Tem bom corpo, é frutado, jovial e fácil de beber (13,5%).
Arzuaga Navarro Crianza 2015
Arzuaga Navarro – Ribera del Duero – Espanha – Decanter – R$ 344,30 – Nota 92
Atualmente um dos grandes nomes de Ribera del Duero, a vinícola foi fundada em 1990 pelo caprichoso empresário Florentino Arzuaga, que comprou uma propriedade de 1.500 hectares em uma área privilegiada, a chamada milla de oro, entre as terras de Vega Sicilia e da bodega Pingus. Os vinhedos de Arzuaga ficam em meio a bosques cheios de vida selvagem, onde vivem javalis e cervos. Seu tinto Crianza, marcado pelo equilíbrio, parte de 95% Tinto Fino (Tempranillo) e 5% Cabernet Sauvignon, de vinhas com 45 anos de idade. Amadureceu por 16 meses em barricas de carvalho francês (50%) e americano (50%). Intenso de aromas, lembra figo seco, tabaco e algo balsâmico. Na boca é estruturado, untuoso, longo, com acidez fina e taninos sedosos. Elegante, delicioso (14%).
Ziggurat Montefalco Rosso 2011
Tenute Lunelli – Úmbria – Itália – Decanter – R$ 171,60 – Nota 91
A família Lunelli é conhecida como produtora dos famosos espumantes Ferrari, joia do Trentino. Sua trajetória começou em 1952, quando assumiu o comando da vinícola fundada em 1902 por Giulio Ferrari (nada a ver com a fábrica de carros), que pretendia oferecer espumantes pelo método clássico à altura dos grandes rótulos franceses de Champagne. Consolidado o sucesso, nos anos 1980 a família passou a dedicar-se também à elaboração de vinhos tranquilos de qualidade. Hoje o grupo Lunelli, chefiado por sua terceira geração, produz tintos em três novas cantinas em diferentes regiões italianas. A Tenuta Margon fica no próprio Trentino, enquanto a Tenuta Podernovo se situa na Toscana e a Tenuta Castelbuono, na Úmbria. Esta última foi comprada em 2001, com 30 hectares de vinha nas comunas de Bevagna e Montefalco, terra da poderosa uva Sagrantino. A agricultura é biológica certificada. Ali nasce o Ziggurat, lote de 70% Sangiovese, 15% Sagrantino e restantes 15% entre Cabernet Sauvignon e Merlot. Se fosse para resumir o estilo do tinto, pode-se dizer que alia a potência da Sagrantino com a elegância e frescor da Sangiovese. No nariz há notas de alcaçuz e chocolate, com algo balsâmico, além de cereja e ameixa. Encorpado, estruturado, oferece bastante fruta. Tem taninos firmes, maduros, equilíbrio e frescor final. Um vinho um tanto austero, que pede comida (13,5%).
Dettori Renosu Rosso Romangia
Tenute Dettori – Sardenha – Itália – Decanter – R$ 196,80 – Nota 92
Alessandro Dettori é radical ao defender as práticas de uma vinicultura com mínimo de intervenção, expressando somente o que a natureza da Sardenha e as vinhas centenárias de sua família proporcionam. É tudo artesanal, cultura biodinâmica no campo e abordagem natural na adega, sem sulfuroso, sem produtos químicos sintéticos, somente leveduras nativas, nada de filtração. O resultado são tintos e brancos surpreendentes. O Renosu Rosso expressa bem o estilo da casa. Vem de vinhas com 40 anos de idade, conduzidas no sistema alberello sardo, em que as videiras são plantadas individualmente como pequenas árvores, com baixos rendimentos, apenas 3 toneladas por hectare. Corte das uvas locais Cannonau, Monica e Pascale, vinificado em tanques inertes de concreto, sem passagem por madeira. Não traz a indicação do ano no rótulo, pois é mescla de várias safras. De coloração atijolada, apresenta no nariz notas florais e de quinino, além de fruta madura, como figo e ameixa. Macio, equilibrado, em corpo médio, com estrutura, desce suavemente pela boca, deixando sensações muito agradáveis (14,5%).
Chianti Classico Gran Selezione Riserva di Fizzano 2013
Rocca delle Macie – Toscana – Itália – Decanter – R$ 314,90 – Nota 92
A vinicultura foi uma paixão tardia do bem sucedido produtor de filmes italiano Italo Zingarelli. Entre outras coisas, ele foi um dos criadores do chamado ‘spaghetti western’, gênero em que lançou uma dupla engraçada, o loiro Terence Hill e o grandalhão Bud Spencer. Suas comédias fizeram fama em todo o mundo, e também no Brasil, a exemplo da explosiva “Meu nome é Trinity”. Bem de vida, Italo resolveu concretizar o antigo sonho de produzir vinhos. Em 1973, comprou uma fattoria antiga na Toscana, com 93 hectares, no vilarejo medieval de Le Macìe, situado em uma colina ao redor de Castellina in Chianti, no coração do Chianti Classico. Por causa das pedras, características do solo da região, deu-lhe o nome de Rocca delle Macìe. Em seguida adquiriu a tenuta ao lado, Sant’Alfonso. Apresentou os primeiros vinhos em 1978. Hoje a família possui cerca de 500 hectares de terras, com 200 ha de vinhedos, em seis propriedades, sendo quatro na zona do Chianti Classico e duas na vizinha Maremma. Sob o comando do filho mais novo de Italo, Sergio Zingarelli, que herdou a paixão do pai, a vinícola tornou-se nome importante no setor. Produz grandes vinhos, como este Chianti Classico, originário da Tenuta Riserva di Fizzano. Corte de 95% Sangiovese e 5% Merlot, amadureceu por 24 meses em botti (tonéis de 350 litros) de carvalho francês, tendo uma pequena parte passado por barricas de 225 litros por alguns meses. Recorda nos aromas fruta madura, como cereja, em meio a notas terrosas, de tabaco, canela e outras especiarias. Encorpado, com bastante equilíbrio, tem acidez marcante, é macio, fino e elegante (13,5%).
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