by José Maria Santana | 23/01/2020 22:16
Espumante Sauvignon Blanc Sur Lie, sem dégorgement e nenhuma adição de açúcar, além do natural da uva, e um branco delicioso, o Viognier Colheita Especial 2018. Estes são os dois novos vinhos que a Casa Verrone, de São José do Rio Pardo, no interior paulista, integrante do grupo de vinícolas da área da Serra da Mantiqueira que se destacam pela inversão da colheita, ou dupla poda, apresentou nesta semana à imprensa especializada de São Paulo.
Até agora a empresa era conhecida por seus Syrah e também por um tinto premium, blend de Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc. Marcio Vedovato Verrone, o dono, promete mais novidades, como um Syrah Premium, um Pinot Noir e um Chardonnay especial. Até o fim do ano devem estar prontos ainda a adega e o novo projeto de enoturismo.
A vinícola tem pouco mais de dez anos e desde o início adota o sistema de inversão de safra, que tem dado ótimos resultados em diversas vinícolas do Sudeste do país, especialmente em São Paulo e Minas Gerais, com representantes também em Goiás, sul da Bahia e vale do rio São Francisco, entre a Bahia e Pernambuco.
Em outras áreas do Brasil, como no Rio Grande do Sul, a colheita da uva é feita normalmente no início do ano, no verão, época de muita chuva. Nos anos mais chuvosos, o excesso de água costuma prejudicar o desenvolvimento dos cachos e, diante do risco, muitos viticultores colhem as uvas antes de chegarem ao ponto ideal de maturação. Por isso as melhores safras ocorrem em anos secos.
Já a inversão utilizada pelas novas vinícolas do Sudeste consiste em mudar a época de colheita para o inverno, em que os dias são quentes e ensolarados, quase não chove e há grande amplitude térmica, isto é, a diferença de temperatura entre dias e noites. Na zona da divisa entre o Nordeste paulista e o sul de Minas, onde fica São José do Rio Pardo, por exemplo, o inverno é a época mais seca do ano, favorecendo a produção de uvas mais sadias e a concentração de açúcar.
O método foi trazido ao Brasil pelo pesquisador mineiro Murillo de Albuquerque Regina, da Epamig, a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais, baseado na unidade de Caldas. Murillo fez mestrado e doutorado em viticultura e enologia em Bordeaux, na França, nos anos 1990, e completou a formação com estágio em um centro de vitivinicultura ligado ao Instituto Francês da Vinha e do Vinho.
As vinícolas convencionais fazem uma única poda seca no ano. Para inverter o ciclo produtivo da videira, transferindo a colheita para o inverno, são feitas duas podas – daí o nome de dupla poda. A primeira, por volta de setembro, destina-se à formação dos ramos que vão gerar os novos frutos.
Depois de meses de descanso, é feita a segunda poda, em janeiro, chamada de produção. É um jeito, digamos, de enganar a planta. A partir daí a parreira segue seu ciclo normal. Brota em fevereiro, floresce em março, forma os cachos em abril, amadurece e termina com a colheita em julho e agosto, em pleno inverno.
A vinícola
Marcio Verrone, 50 anos, engenheiro agrônomo de formação, vem de uma família ligada há muito ao agronegócio no interior paulista, dona de uma indústria de fertilizantes e outros insumos. Ele descobriu o mundo do vinho em 2000, fez cursos na ABS-SP e se apaixonou. Visitou tradicionais empresas no exterior, pesquisou e decidiu criar sua própria vinícola.
Marcio fez contato com Murillo de Albuquerque Regina e entre 2008 e 2009 plantou as primeiras mudas de uva na fazenda de 35 hectares que possui em Itobi, vizinha a São José do Rio Pardo, onde mora. Queria produzir vinhos finos, seguindo a trilha adotada por vinícolas jovens como a paulista Guaspari e as mineiras Maria Maria, Luiz Porto, Casa Geraldo e a pioneira Estrada Real, do próprio Murillo.
A Casa Verrone apresentou os primeiros vinhos em 2010, vinificados na Epamig, em Caldas. O começo foi difícil. Marcio diz que cometeu erros de principiante, mas foi em frente, aprendeu e hoje o negócio é viável. Tem 12 hectares de vinhedos e entrega ao mercado 50 mil garrafas por ano.
Desde o início Marcio conta com o trabalho do jovem enólogo chileno Christian Sepúlveda, que está há 20 anos no Brasil. Trazido pela Miolo, ficou um ano na Serra Gaúcha e depois passou algum tempo nos vinhedos do grupo no vale do São Francisco.
Christian, agora com 40 anos, além de assessorar a Casa Verrone presta consultoria a outras vinícolas (entre elas a Guaspari), tem seu próprio projeto (Terra Nossa) e tornou-se um profundo conhecedor do terroir do Sudeste brasileiro, que já pode ser considerado novo polo vitivinícola do país.
Do café para vinhedos
A região da Mantiqueira, historicamente terra de café, tem vinhedos de altitude, que vão de 850 m acima do nível do mar, como em Itobi, aos mais de 1.100 m das vinhas da vinícola Maria Maria, no sul de Minas. Ali nunca tinha sido plantada uva, mas Christian Sepúlveda observa que, se um terroir dá cafés de qualidade, poderá proporcionar vinhos finos, pois precisam igualmente de acidez e bom material corante.
Nas terras locais há grandes manchas graníticas, solos pobres que favorecem a acidez e a mineralidade. Perto, há zonas de solos basálticos, como em Ribeirão Preto, muito ricos e férteis – iguais aos que predominam na Serra Gaúcha.
O clima é tropical de altitude, com temperaturas amenas, que normalmente não ultrapassam os 30°C. Conta para isso a localização da região, entre as montanhas da Serra do Cervo, braço da Serra da Mantiqueira.
O regime de chuvas não é prejudicial à videira. Na área de São José do Rio Pardo e Itobi a média é de 1.200 mm por ano – bastante, se comparada às zonas vinícolas do Chile e da Argentina. Mas a maior parte se concentra entre outubro e março, principalmente em janeiro. A pluviosidade cai expressivamente em abril, maio e junho. O inverno é seco, com elevada amplitude térmica. A diferença entre o calor do dia e o frio da noite pode chegar aos 20°C.
Juntando tudo isso, não é surpresa saber que cada vez mais vinhos de qualidade nascem nas altitudes da Serra da Mantiqueira, boa parte com adoção da dupla poda e da inversão de safra. A área montanhosa entre São Paulo e Minas Gerais mostra que, além de café, pode ser um grande terroir para vinhos finos.
Curiosamente, a Syrah é uma das uvas mais bem adaptadas à região e base dos primeiros vinhos locais que fizeram a fama de suas vinícolas. Foi outra sugestão de Murillo de Albuquerque Regina, o mentor da dupla poda, ou poda invertida. Segundo ele, a área tem solos, topografia e clima parecidos com o Rhône francês, onde brilha a Syrah. A aposta deu certo.
Apesar do sucesso, o sistema de dupla poda ainda é visto com desconfiança por alguns produtores. A maior crítica é que gera plantas com pouca vida útil, pois a parreira precisa da dormência natural dada pelo frio do inverno.
No caso, os praticantes da poda invertida controlam a dormência de várias maneiras. No vale do São Francisco, por exemplo, onde as vinhas são irrigadas, quando a água é cortada a planta se recolhe. Tempos depois, ao abrir a torneira, voltam à atividade.
Em outras áreas, em que o período de latência acontece no verão, por causa da inversão de safra, alguns produtores reativam as plantas com o uso de estimulantes químicos, como o Dormex, um regulador de crescimento adotado também por produtores de maçã e pêssego, frutas originárias de países frios. São produtos altamente tóxicos e precisam ser manejados com extremo cuidado.
Na Verrone, o enólogo Christian Sepúlveda ressalta que nenhum produto químico sintético é utilizado e a quebra de dormência acontece naturalmente, graças às características do solo local. Na superfície há boa porosidade, em seguida uma camada de argila, que retém a água junto às raízes e, abaixo, muita pedra granítica, que proporciona boa drenagem. A propósito, a vinícola está em processo de adotar em suas vinhas o manejo orgânico.
Christian destaca por fim que geralmente um projeto vitivinícola é pensado para um horizonte de 30 anos. No caso da região da Serra da Mantiqueira já há vinícolas com videiras plantadas há 20 anos e elas estão vivas e saudáveis. “Não é difícil imaginar que elas tenham mais uns bons anos pela frente” diz ele. “Assim, acreditamos que o tempo vai responder a essa questão da longevidade das plantas no sistema de dupla poda”.
Os vinhos
A Casa Verrone produz espumantes pelo método clássico e vinhos tranquilos. Estes são apresentados em três linhas. Na base há três varietais. A seguir vem a série Colheita Especial; e na gama alta, rótulos com o indicativo Speciale. Além das novidades mostradas esta semana, avaliamos aqui outros dois vinhos que confirmam o potencial da casa.
Casa Verrone Espumante Sauvignon Blanc Sur Lie
Casa Verrone – S. J. do Rio Pardo – SP/Brasil – R$ 116,00 – Nota 91
Não é muito comum aparecem espumantes a partir de Sauvignon Blanc. O enólogo Christian Sepúlveda conta que a novidade surgiu de uma necessidade prática. A vinícola tinha mais Sauvignon Blanc do que seria razoável oferecer como branco normal e o dono, Marcio Verrone, queria uma solução. Christian se lembrou dos espumantes com esta mesma uva que vira na Nova Zelândia e começou a trabalhar. A variedade tem uma acidez quase exagerada, que dificulta a atividade das leveduras. Chega um momento em que elas não conseguem mais dar conta do recado e morrem. Interrompida a ação das lias (leveduras), Christian deixou-as em contato com o líquido, na garrafa, por mais seis meses – daí o Sur Lie do rótulo. Isso dá uma certa gordura e volume ao vinho. Outra consequência curiosa da acidez forte: com a morte precoce das leveduras, o espumante não ficou com tanto anidrido carbônico como usual em produtos semelhantes. Christian fala em 4 atmosferas. Por causa disso, ele preferiu deixar nas garrafas as mesmas tampinhas semelhantes às de cerveja usadas durante a segunda fermentação – se fosse colocar a rolha grande, o pouco gás carbônico poderia ir para o espaço quando retirada. Sendo assim, também não fez o dégorgement, a remoção dos sedimentos. O vinho ficou com aparência turva, o que não é um problema. Como não foi feita a degola, não se adicionou licor de expedição ou açúcar. Mesmo assim, o estilo se mantém entre Extra-Brut e Brut, pois com a paralisação da vida das leveduras o espumante preservou boa dose de açúcar residual (5 a 6 gr por litro). Esta sensação de doçura ajuda a equilibrar a acidez. Dito isto, vale dizer que nos aromas o vinho lembra abacaxi, maracujá, cítricos, damasco e notas tostadas, de pão, deixadas pelas lias. Na boca é seco, volumoso, cremoso, com muito boa acidez e frescor. Agradável, adequado ao nosso clima (12%).
Casa Verrone Viognier Colheita Especial 2018
Casa Verrone – S. J. do Rio Pardo – SP/Brasil – R$ 77,00 – Nota 90
Outro lançamento da vinícola. A safra de 2018 foi ótima em quase todas as regiões vinícolas brasileiras. Em São Paulo é considerada das melhores dos últimos anos. O novo branco de Viognier expressa bem isso. Cerca de 40% do lote foram fermentados em barricas de carvalho francês, onde permaneceram por mais 12 meses. O restante vem de tanques de inox. Traz ao nariz notas florais, de erva-doce e mel. Na boca é gordinho, amplo, seco, tem muito boa acidez, frescor e persistência. Bom trabalho com esta uva famosa no Rhône e não muito usual por aqui (14%).
Casa Verrone Sauvignon Blanc 2018
Casa Verrone – S. J. do Rio Pardo – SP/Brasil – R$ 61 – Nota 89
A vinícola oferece qualidade, mesmo em sua linha básica, como é o caso deste varietal, 100% Sauvignon Blanc, fácil e gostoso. Ao nariz aparecem inicialmente notas de abacaxi e pêssego, com algo floral e mineral. Depois surge um maracujá, que persiste. Tem textura macia, boa fruta, acidez firme, equilíbrio e frescor. No final volta o maracujá, que não sai da boca (13,5%).
Casa Verrone Syrah Speciale 2018
Casa Verrone – S. J. do Rio Pardo – SP/Brasil – R$ 135 – Nota 91
A Syrah brilha no catálogo de várias vinícolas da região da Serra da Mantiqueira e se destaca também na linha premium da Casa Verrone. A safra de 2018 ajudou, proporcionando uvas sadias e com bom equilíbrio entre açúcar e acidez. No caso, vieram do vinhedo mais antigo da empresa, plantado em 2008, a 850 m de altitude, com sistema de dupla poda, que transfere a colheita para o inverno. Foi afinado por 12 meses em barricas novas de carvalho francês. Apresenta nos aromas cereja e cassis, em meio a notas de café, tostados, cacau e grafite. Fruta e madeira estão bem balanceadas. Na boca tem bom corpo, taninos maduros, textura macia, acidez agradável e frescor final. Sedoso, atrai pelo equilíbrio e integração entre fruta e madeira. Um tinto que se bebe com prazer (14%).
Casa Verrone – Os vinhos podem ser encontrados na loja virtual da própria vinícola: www.casaverrone.com.br[1]. Na cidade de São Paulo, são distribuídos também por Brindisi Vinhos – (11) 99171-2628 – www.brindisivinhos.com.br[2].
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