by José Maria Santana | 13/05/2020 17:38
O Chardonnay e os tintos da pequena vinícola argentina Aleanna feitos com Malbec, Bonarda e, especialmente Cabernet Franc, são ótimos. Agora o enólogo Alejandro Vigil acrescenta mais um branco de nível à coleção, o El Enemigo Semillón, produzido com uvas de Agrelo, em Luján de Cuyo, umas das zonas mais tradicionais de Mendoza.
Para dar mais complexidade, Alejandro usa um truque: 20% do vinho fica protegido da oxidação pelo chamado véu de flor, característica especial dos vinhos jovens de Jerez, na Espanha, dos tipos Fino e Manzanilla. Dão ao branco um toque salino, salgado. O El Enemigo Semillón 2017 é a novidade trazida ao Brasil pela Mistral, a importadora que distribui os rótulos da empresa no país.
Dito isto, é preciso esclarecer antes o que é Aleanna. É o projeto pessoal de Alejandro Vigil – enólogo chefe da Catena, uma das maiores e melhores vinícolas argentinas –, em parceria com Adrianna Catena, filha mais nova do grande Nicolás Catena Zapata. A empresa, com as iniciais de seus nomes, foi criada em 2009.
Os dois contam no site da vinícola que a ideia de produzir vinhos em conjunto, em paralelo ao portfólio da Catena, surgiu de uma conversa em Londres, em setembro daquele ano, quando acompanharam Nicolás, que fora receber da prestigiada revista Decanter o prêmio de Man of the Year.
Adrianna é historiadora, formada na Universidade da Califórnia em Berkeley, com doutorado na Universidade de Oxford, na Inglaterra. Morava em Londres e não tinha participação nos negócios vinícolas da família. Alejandro Vigil, ao contrário, trabalha com vinhos desde os 14 anos, estudou Engenharia de solos e é diretor técnico da Catena desde 2002. Mas descobriram que tinham muitos interesses em comum.
Dizem que ambos gostam de História, de literatura, de música ao vivo, de uma gastronomia natural e sustentável e da vida em família – cada um deles tem dois filhos pequenos. Resolveram produzir vinhos respeitando a tradição dos antigos imigrantes europeus estabelecidos em Mendoza, sem abrir mão de uma certa ousadia e irreverência.
Alejandro construiu a nova vinícola na área da casa em que mora em Chachingo, vilarejo rural de Mendoza. Ali, segundo diz, os vizinhos fazem vinhos juntos e compartilham seus porcos e galinhas. A bodega, cheia de referências históricas e literárias, foi inspirada na Divina Comédia, de Dante Alighieri. Mistura obras de arte e barricas nos espaços batizados como Inferno, a parte de baixo, onde está a cave, Purgatório, a escadaria com azulejos coloridos, e Paraíso, o restaurante pilotado pelo chef Santiago Maestro.
Virou a Casa El Inimigo. O nome da propriedade e dos vinhos traduz um pouco da filosofia em que Alejandro e Adrianna acreditam. Como diz o lema escolhido por ambos, “no fim da jornada é preciso lembrar de uma única batalha, aquela que travamos contra nós mesmos, o inimigo original que nos define”. Parece um tanto surrealista, mas não se pode esquecer que eles amam referências históricas.
Já os vinhos são de uma grande pureza, muitos deles fermentados nos ovos de concreto à vista logo na entrada da adega. Aleanna tem permissão de usar uvas de algumas das melhores vinhas do grupo Catena, como o afamado vinhedo Adrianna (justamente o que leva o nome da filha caçula de Nicolás), em Gualtallary. O El Enemigo Semillón 2017 mostra o potencial da casa. Só uma curiosidade: na França, a Sémillon é grafada com acento no “e”. Nos países de língua espanhola, o acento costuma mudar para o “o” final.
El Enemigo Semillón 2017
El Enemigo/Aleanna – Mendoza – Argentina – Mistral – R$ 249,75 – Nota 92
A Sémillon, integrante dos melhores brancos franceses de Bordeaux, secos ou doces, não tem muita presença na Argentina. Ocupa 653,90 hectares, ou 0,33% da área cultivada do país (contra, por exemplo, 13 mil ha. plantados com Torrontés e Chardonnay, que representam 7% do total). Mas a casta tem ganhado algum espaço nos últimos tempos. Bem trabalhada, dá vinhos de classe, como este El Enemigo Semillón, um branco amplo, volumoso e envolvente, que vem de Agrelo, zona de Luján de Cuyo, de vinhedos situados a 930 m de altitude. O enólogo Alejandro Vigil adotou técnicas tradicionais. Depois da fermentação, parte do vinho (20%) sofreu novamente a ação de leveduras, que formaram na superfície do líquido o chamado véu de flor. É o antigo método usado em Jerez, na Espanha, como proteção natural dos vinhos jovens da família do Jerez, os tipos Fino e Manzanilla. Quando as leveduras fermentativas começam a desaparecer, depois de transformarem em álcool todo o açúcar das uvas, entra em ação outra série de leveduras autóctones, selecionadas naturalmente por muitos anos de presença nas adegas. É como se elas tivessem aprendido a se alimentar do álcool do vinho para seguir vivendo. Neste processo forma-se uma nata branca na superfície do tonel, que protege o vinho contra a oxidação. É o véu de flor. No caso do El Enemigo, o restante do vinho amadureceu por 15 meses em barricas de carvalho. Com bela cor amarelo dourado, traz aromas de erva-doce e pêssego, com algo salgado e mineral, além de notas de mel. Na boca é amplo, viscoso e seco. A acidez não é muito pronunciada, mas há equilíbrio e gostoso final. Os pontos fortes são o volume de boca e a untuosidade (13,5%).
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