A Sogrape e a pequena Bucelas, terra de alguns dos melhores brancos de Portugal

by José Maria Santana | 04/06/2020 22:15

A importadora paulista Zahil passa a distribuir no mercado brasileiro os vinhos da Quinta da Romeira, produzidos pela gigante Sogrape em Bucelas, terra da Arinto, de onde saem alguns dos melhores brancos de Portugal. De início, a empresa dos irmãos Antoine Zahil e Serge Zehil vai comercializar somente um dos rótulos da casa, o descomplicado e fácil Prova Régia.

Presente já no Douro, Vinhos Verdes, Dão, Bairrada, Alentejo e Madeira, a maior empresa portuguesa do setor vinícola anunciou em janeiro de 2019 sua entrada na promissora região Lisboa, com a compra da Quinta da Romeira. A propriedade histórica, existente desde 1703, tem 130 hectares de terras, dos quais 75 ha. plantados com uvas. O restante é ocupado por florestas.

Bucelas é uma das nove DOs (Denominações de Origem) da região Lisboa, antiga Estremadura. É uma das menores DOCs do distrito, com apenas 170 hectares de vinhas. Portanto, a Quinta da Romeira, sozinha, representa quase metade da sub-região.

O projeto Quinta da Romeira é comandado pelo enólogo António Braga, que está na Sogrape desde 2007. Ele falou sobre a propriedade e seus vinhos em entrevista virtual nesta terça-feira, dia 02, coordenada por Bianca Veratti, responsável pela área de Comunicação da Zahil.

Disse que a Sogrape está fazendo grandes investimentos para melhorar a infraestrutura da quinta. No caso do Prova Régia, hoje classificado como IG (Vinho de Indicação Geográfica), a ideia é dar mais complexidade e torná-lo DOC Bucelas, categoria com mais exigências e potencial de qualidade.

 

Bucelas e a pressão urbana

Quinta da Romeira: adega no meio dos vinhedos

Bucelas fica 30 km ao Norte da cidade de Lisboa, a 25 minutos de carro. Pela proximidade com a capital portuguesa, sofre a pressão da expansão urbana. É a mesma coisa que acontece com Colares e Carcavelos, outras duas pequenas apelações que completam, com Bucelas, o trio das zonas vinícolas históricas na vizinhança lisboeta.

Como os terrenos são muito caros em Lisboa, o crescimento urbano nos últimos anos tem acontecido nos arredores da cidade. Na área de Carcavelos, famosa por seus vinhos doces, a maioria das vinhas deu lugar a condomínios e edifícios.

Na denominação Colares, que fica próxima das praias de Cascais, também há cada vez menos vinhedos. Ali os parreirais tradicionalmente são plantados sobre dunas de areia protegidas por quebra-ventos, em que a filoxera não se desenvolve. A uva predominante é a Ramisco, que dá tintos bem tânicos quando jovens, e com uma acidez elevada, que favorece guarda bastante longa.

O enólogo António Braga

Apesar da pressão expansionista, Bucelas tem resistido mais. A sede, de mesmo nome, é uma freguesia do concelho de Loures, com perto de 5 mil habitantes. Já a área da Denominação de Origem se espalha pelo vale do rio Trancão e foi demarcada em 1908.

É considerada uma sub-região histórica, pois há séculos mantém o prestígio de seus renomados brancos, produzidos com Arinto, sempre colocados entre os melhores de Portugal. São vinhos frescos, com ótima acidez e sabor marcante.

Voltada para o Atlântico, Bucelas tem clima frio no inverno e temperado no verão – época em que apresenta grande amplitude térmica. Nos solos predominam as tradicionais caeiras, derivadas de margas e calcários duros. Como se sabe, margas são os solos em que se encontra uma mistura de argila e calcário. Há na sub-região alguns projetos com maior expressão, como a Quinta da Romeira, da Sogrape, mas o normal são propriedades familiares de área diminuta.

 

A Arinto

Arinto: volume e acidez

É interessante notar que Bucelas é a única DOC portuguesa em que são autorizados somente vinhos brancos, a partir de três uvas – Arinto, Esgana Cão e Rabo de Ovelha. A Arinto é de longe a mais importante. “É uma das castas que viajam pelo país, como a Alvarinho e a Touriga Nacional, o que mostra que é muito boa”, disse o enólogo António Braga na entrevista virtual organizada pela importadora Zahil.

Na opinião de Braga, as melhores uvas brancas portuguesas são a Alvarinho, na região dos Vinhos Verdes, a Encruzado no Dão e a Arinto, em Bucelas. Correndo por fora, a menos conhecida Cercealinho, da Bairrada. Segundo ele, a Arinto costuma apresentar dois perfis. “Nos Vinhos Verdes agrega volume. No Douro, acidez, nervo e tensão”, explica. “Já em Bucelas, mescla as duas coisas, proporcionando ao vinho volume e cremosidade, além de acidez e frescor”.

Por sua qualidade, o Arinto de Bucelas é admirado em toda parte. Os ingleses sempre o apreciaram. Era chamado de Charneco e foi mencionado por Shakespeare (1564/1616) em sua peça “Henrique VI”. Tornou-se realmente popular na época das guerras napoleônicas.

Durante a invasão francesa em Portugal, em 1808 (episódio que provocou a fuga do rei D. João VI para o Brasil), a defesa do país foi feita por tropas inglesas comandadas pelo Duque de Wellington. A Quinta da Romeira, comprada pela Sogrape, teve um papel nessa história, pois era lá que o duque se hospedava. Fã do Arinto de Bucelas, na volta para a Inglaterra ele levou muitas garrafas na bagagem, para presentear o rei George III. Os ingleses associavam o vinho português aos brancos alemães de Riesling e por isso o chamavam de “Lisbon Hock”.

 

A gigante Sogrape

Sogrape na região Lisboa

A região Lisboa como um todo vive um grande momento atualmente, pela melhoria da qualidade de seus vinhos, conquistando grande reconhecimento em Portugal. “Entrar em Lisboa era, para a Sogrape, obrigatório”, afirmou Fernando da Cunha Guedes, CEO do grupo, ao anunciar a aquisição da emblemática Quinta da Romeira, na sub-região de Bucelas, em janeiro de 2019.

Atuante em sete regiões vinícolas, a Sogrape é o maior grupo do setor em Portugal. A empresa foi fundada em 1942, em plena II Guerra Mundial, por Fernando Van Zeller Guedes e um grupo de amigos. Começou no Douro e ganhou notável impulso com a criação, no mesmo ano, do popular Mateus Rosé. Com sua icônica garrafa-cantil, foi a primeira marca portuguesa de vinhos global e é o rótulo português mais vendido no mundo.

A Sogrape permanece em mãos da família Guedes, já na quarta geração, e é hoje um grupo multinacional de empresas e marcas. Possui cerca de 1.500 hectares de vinhedos, mais da metade em Portugal, e produz mais de 50 milhões de garrafas por ano. No portfólio abriga, além do Mateus Rosé, marcas renomadas, como Casa Ferreirinha; Vinhos do Porto Sandeman, Ferreira e Offley; Quinta dos Carvalhais, Gazela, Azevedo e Herdade do Peso.

Fora do país, produz vinhos também na Espanha (Bodegas LAN e Aura); Argentina (Finca Flichmann); Chile (Viña Los Boldos); e Nova Zelândia (Framingham).

 

Quinta da Romeira

O aristocrático solar

A este patrimônio veio se somar, no ano passado, a Quinta da Romeira. Com 75 hectares de vinhas, tem a maior área plantada com Arinto no país. A propriedade era conhecida pelos brancos Prova Régia e Morgado de Sta. Catherina.

A menção à herdade e seus vinhos é antiga. Diz a história que no século XIII o Conde D. Pedro entregou algumas propriedades para pagamento de dívida, entre elas terras a “um casal da Romeira”.

Mas a configuração atual veio depois. No final do século XVII o terceiro conde de Castelo Melhor, Luís de Vasconcelos e Sousa, liderou as negociações do contrato de casamento entre o rei Charles II, da Inglaterra, e a princesa portuguesa Catarina de Bragança, filha de D. João IV. Em 1703 ele instituiu o Morgadio de Santa Catherina, em honra da nova rainha, no qual incluiu a Quinta da Romeira, localizada em Bucelas.

Na propriedade há um antigo Solar, que a imprensa portuguesa descreve como “uma casa de traçado sóbrio e aristocrático”, com janelas manuelinas de onde se avistam as famosas “linhas de torres”, espécie de muros no alto dos morros, que o Duque de Wellington mandou levantar para proteger Lisboa das tropas francesas enviadas por Napoleão Bonaparte. O solar começou a ser reformado em 1988 pelo antigo proprietário.

O enólogo António Braga, à frente do projeto (e também de outra vinícola da Sogrape, a Azevedo, na zona dos Vinhos Verdes) explica que na Quinta da Romeira há somente Arinto, sendo as vinhas mais antigas plantadas nos anos 1990.

No solo, fósseis e conchas

Um dos primeiros investimentos dos novos donos foi promover estudos de solo, com ajuda de uma equipe francesa especializada. Confirmou-se o predomínio de solos argilo-calcários e com marga, muitos deles com presença de conchas e fósseis marinhos, testemunhando que, no passado remoto, ali era mar.

As vinhas ao alto, à frente da adega, voltadas a Norte, ficam em área mais fresca e dão uvas com maior acidez. No lado oposto, os vinhedos estão em zona mais quente, voltados a Sul. Suas uvas são mais maduras e proporcionam volume de boca aos vinhos. Segundo o enólogo, na composição dos brancos da casa busca-se um equilíbrio entre as parcelas de um lado e outro. A Quinta da Romeira produz hoje 220 mil garrafas por ano.

António Braga comenta que, além da Arinto, pretende plantar um pouco de Esgana Cão e Rabo de Ovelha, as duas outras castas autorizadas na apelação. A seu ver, é interessante explorar todo o potencial da sub-região.

No futuro, a Sogrape pretende construir uma nova adega, para substituir a atual. Mais que tudo, a empresa quer manter e melhorar o perfil dos vinhos que deram fama à Quinta da Romeira, como o excelente Morgado de Sta Catherina e o jovial Prova Régia.

 

Prova Régia Arinto 2018

Sogrape – Bucelas, região Lisboa – Portugal – Zahil – R$ 156 – Nota 89

Um vinho alegre, fácil de entender, 100% Arinto. A maior parte das uvas veio das parcelas da Quinta da Romeira voltadas a Norte, que agregam maior acidez. Sem passagem por madeira, o vinho permaneceu por três meses em contato com as borras, para ganhar um pouco mais de complexidade. Lembra nos aromas pêssego, melão e maçã, com algo cítrico, floral e um toque mineral. Delicado, leve, seco, mostra equilíbrio entre fruta e acidez. A persistência é média, com bom frescor final. A vindima de 2018 já estava terminada quando a Sogrape comprou a Quinta da Romeira. Mas o posterior desenvolvimento do vinho foi feito pela nova equipe, comandada pelo enólogo António Braga. É o primeiro passo do que se pretende daqui para frente, oferecer um branco descomplicado e consistente. Hoje ele é classificado como Vinho Regional/IG Lisboa, a categoria de base. No futuro, a ideia é elevá-lo para DOC Bucelas, um degrau a mais na qualidade. À mesa, vai bem com risotos de frutos do mar, arroz de mariscos, saladas ou como aperitivo. A importadora informa que a partir de 15 de junho próximo passará a custar R$ 166 (12,5% de álcool).

Importadora Zahil – São Paulo, SP – Tel.: (11) 5181-4460 – e-mail: zahil.com.br.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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