As várias Carmenère do Chile
Para lembrar os 22 anos da redescoberta da Carmenère no Chile, ocorrida em suas terras, a Viña Carmen organizou dias atrás em São Paulo prova dos vinhos que produz com esta uva. O evento foi feito em parceria com a importadora Mistral, que distribui os rótulos da empresa no Brasil. Foram degustados cinco tintos com Carmenère dos vales de Cachapoal e Colchagua. Dois vêm de Marchigue, zona de clima mais frio; os outros três, de áreas mais cálidas de Apalta e Maipo Alto. Fundada em 1850, Viña Carmen é um das vinícolas mais antigas em atividade no Chile e pertencente hoje ao grande grupo Santa Rita.
Antes confundida com a Merlot, a Carmenère não é unanimidade nem de público, nem de crítica. Para muitos, é uma uva que dá vinhos com notas herbáceas e verdes. A bem da verdade, a imagem está mudando. Desde que foi redescoberta nos vinhedos chilenos, em 1994, a Carmenère passou por altos e baixos, mas os enólogos estão aprendendo cada vez mais a trabalhá-la e hoje conseguem oferecer tintos macios, com equilíbrio e frescor, sem o excessivo caráter vegetal. E já ficou demonstrado que o Chile não tem apenas uma Carmenère, e sim várias. Dependendo do terroir em que é plantada, ela dá vinhos distintos em acidez e taninos.
Uvas misturadas
A história é bem conhecida. Há muito tempo os enólogos chilenos percebiam que havia alguma coisa estranha nos vinhedos de Merlot. Uma parte das plantas amadurecia logo, enquanto no meio havia videiras que demoravam quase três semanas mais para atingir seu desenvolvimento. No início dos anos 1990, a Fundacción Chile convidou o ampelógrafo francês Claude Vallat, botânico especializado no estudo e classificação das videiras, para visitar os vinhedos do país. Ao saber das dúvidas sobre a Merlot, achou que as plantas de maturação tardia, ali misturadas, eram Cabernet Franc. Ao voltar para a França, comentou o caso com seu professor de Ampelografia, Jean-Michel Boursiquot.
No ano seguinte, novembro de 1994, o próprio Boursiquot foi convidado a ir ao Chile participar do 6º Congresso Sul-americano de Viticultura e Enologia. Ao conhecer os vinhedos de Viña Carmen no Alto Jahuel, área do Maipo logo abaixo de Santiago, identificou que a uva plantada no meio da Merlot era a Carmenère, casta de origem francesa que se supunha desaparecida havia mais de cem anos. Estava desfeito o mistério.
A Carmenère era uma das variedades principais de Bordeaux no século XIX, época em que a França foi atacada pela filoxera, a praga que devastou os vinhedos europeus. Quando se descobriu a salvação, e as vinhas foram replantadas em porta-enxertos de espécies híbridas, americanas, a Carmenère, considerada de trato difícil, por ser sensível a doenças e ter maturação tardia, foi deixada de lado pelos viticultores, que optaram por castas mais produtivas e regulares.
Parente da Cabernet Franc
Adolfo Bravo, jovem enólogo da equipe de Sebastião Labbé, o responsável pela enologia de Viña Carmen, observa que a Carmenère pertence à família da Cabernet Franc, a uva francesa que também deu origem à Cabernet Sauvignon e à Merlot. A família tem em comum o caráter vegetal, que parece mais exacerbado na Carmenère, especialmente se não atinge o desenvolvimento. O nome da cepa decorre do fato de suas folhas se tingirem de vermelho, carmin, antes do inverno – é a primeira a mudar de cor no outono.
“Ela também tem uma característica única, possui estame curvo, ao contrário das outras, em que é reto”, diz Bravo, referindo-se à parte masculina do aparelho reprodutor da variedade. Por causa desta curvatura, a Carmenère tem mais dificuldade de polinização.
A redescoberta da casta empolgou o mundo vinícola, mas de início o Chile não queria dizer ao mundo que parte de seus rótulos Merlot, sucesso por exemplo nos Estados Unidos, era Carmenère. Em 1996, Alvaro Espinoza, então enólogo de Viña Carmen, com apoio de Ricardo Claro, dono da empresa, decidiu lançar o primeiro vinho que mencionava no rótulo a nova cepa, o Carmen Grande Vidure, mesclado com Cabernet Sauvignon. Grande Vidure era outro nome dado à Carmenère na França.
Curiosamente, dois anos mais tarde, ao também lançar um varietal Carmenère, uma vinícola foi multada: o governo chileno alegou que a parcela do vinhedo ocupada pela variedade não estava cadastrada nos registros oficiais.
Boa exposição solar
Aos poucos, todas as casas aderiram à novidade e a Carmenère passou a ser considerada uva emblemática do país, pelo fato de somente ser encontrada no Chile. Mas os primeiros anos foram difíceis. Boa parte dos Carmenère daquela época tinha aromas herbáceos e sabor de fruta verde. Muitos críticos diziam mesmo que era uma uva de segunda categoria.
A má imagem só começou a ser apagada depois de estudos e trabalho duro por parte dos enólogos. Eles aprenderam que nem todas as áreas são propícias para seu plantio. A variedade, a última a ser colhida, já no final de abril e princípios de maio, precisa de calor para amadurecer, de climas com boa exposição solar, ou com expressiva diferença de temperaturas entre os dias quentes e as noites frias.
A primeira região a apresentar bons vinhos de Carmenère foi o Maipo. Depois vieram os vales do centro-sul, mais quentes, especialmente Peumo, na zona de Cachapoal, e Apalta, área de Colchagua. O enólogo Adolfo Bravo ressalta que os tintos feitos com Carmenère em climas frios normalmente têm mais fruta, acidez e frescor. Já os vinhos produzidos em climas quentes mostram fruta mais madura e lembram especiarias.
De qualquer forma, se bem trabalhada, com maturação adequada e rendimentos controlados, a casta dá tintos suculentos e sedosos. “A Carmenère tem menos sementes que outras uvas”, explica Bravo. “Por isso seus vinhos podem ser menos adstringentes e mais macios”.
O Chile concentra boa parte da Carmenère plantada no mundo. Mas hoje há vinhedos também na França, Itália, Argentina, Uruguai, no Brasil e até na China. Os bons tintos feitos com Carmenère geralmente oferecem boa estrutura e acidez. São versáteis à mesa, para acompanhar carnes vermelhas, grelhados, assados, churrasco e massas com molhos copiosos.
Os Carmenère de Viña Carmen
Os cinco tintos apresentados no evento de São Paulo são bem diferentes entre si e mostram as peculiaridades que a uva pode apresentar dependendo do local onde é plantada.
Carmen Insigne Carmenère 2015
Viña Carmen – Vale de Cachapoal – Chile – Mistral – US$ 15.90 – Nota 87
Com uvas de Marchigue, área que sofre influência das brisas frias do Pacífico, é de uma linha básica. Tem corpo médio, notas florais e acidez forte e grande frescor (13,5%).
Carmen Premiere 1850 Carmenère 2015
Viña Carmen – Vale de Cachapoal – Chile – Mistral – US$ 23.90 – Nota 89
Tinto com proposta mais trabalhada. Também vem de Marchigue, com passagem de oito meses por barricas de carvalho. É mais macio, equilibrado, com taninos maduros. Apresenta toques florais, boa acidez e frescor final (13,5%).
Carmen Gran Reserva Carmenère 2013
Viña Carmen – Vale de Apalta – Chile – Mistral – US$ 36.90 – Nota 90
Em um patamar acima, nasce nos vinhedos plantados nas encostas do vale de Apalta, sub-região de Colchagua, e tem estágio de 12 meses em barricas de carvalho. É encorpado, untuoso, tem taninos finos, equilíbrio e elegância. Um tinto que mostra ao mesmo tempo força e fineza, fruto do trabalho bem feito com a Carmenère de clima mais quente, que atingiu plena maturação (14%).
Carmen Winemaker’s Black Carmenère Blend 2009
Viña Carmen – Vale de Apalta – Chile – Mistral – US$ 89.90 – Nota 91
É uma seleção de lotes de Carmenère de Apalta feita pelos enólogos da casa. Leva 85% de Carmenère, 10% de Carignan e 5% de Cabernet Sauvignon, com repouso por 18 meses no carvalho. Fruta, madeira, álcool e acidez estão equilibrados, resultando em um tinto de bom corpo, maduro e macio, suculento e fino. Tem vibração e vivacidade. Certamente os enólogos se divertiram ao fazê-lo.
Carmen IIII Lustros 2012
Viña Carmen – Vale do Maipo – Chile – Mistral – Nota 91
Tinto comemorativo, em edição limitada, lançado em 2014 – lembrando que cada lustro são 5 anos, o que dá os 20 anos da redescoberta da Carmenère em terras de Viña Carmen. Com uvas dos vinhedos de Alto Jahuel, aos pés da Cordilheira dos Andes, exatamente do local onde a Carmenère foi identificada pela primeira vez, é um vinho equilibrado, com tudo no lugar, taninos macios, doces (14%).
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