Philippe Mével aposta na qualidade do espumante nacional

Entrevista: Philippe Mével

26/10/2004

Por José Maria Santana

 

Philippe Mével, o enólogo da Chandon

No início da década de 1990, o enólogo francês Philippe Mével, que trabalhava para a casa Moët & Chandon e circulava entre a França, Argentina e Espanha, foi convidado pela empresa para cuidar exclusivamente dos vinhos produzidos pela Chandon Brasil. Mével, nascido na Bretagne, chegou à pequena cidade de Garibaldi, na Serra Gaúcha, em 1990. Estava certo de que ficaria apenas alguns meses e depois seguiria sua carreira no grupo. Muitos anos depois ele continua aqui, cada vez mais envolvido com os espumantes naturais brasileiros, de que se tornou um profundo conhecedor. Formado em engenharia agronômica pela École Nationale Supérieure d’Agronomie de Rennes, com especialização em viticultura e enologia pela École Superieure d’Enologie de Montpellier, ele enfrentou com disposição o desafio de desenvolver o potencial do produto nacional. Junto com Philippe Coulon, então diretor de Enologia e Pesquisa da Moët & Chandon na França e grande conhecedor das características da vinicultura gaúcha, Mével propôs novos caminhos para a Chandon. Acreditando na vocação brasileira para a produção de espumantes naturais, sugeriu à empresa apostar todas as fichas nestes vinhos, deixando de lado a vinificação de tintos e brancos normais. Outros indicadores fizeram consolidar esta tendência. A Chandon ampliou sua participação no mercado. Tornou-se líder no segmento Premium, lançando sucessos como o Chandon Excellence Cuvée Prestige Brut e o Chandon Excellence Cuvée Prestige Rosé. Nesta entrevista, Philippe Mével fala da vocação da Serra Gaúche para a produção de espumantes.

 

Por que se diz que o Brasil tem vocação para produzir espumantes naturais?

A Serra Gaúcha tem características de clima que realmente a colocam entre as melhores regiões do mundo para a produção de espumantes naturais. Apesar de algumas dificuldades, como o excesso de chuvas na época da colheita, há duas razões, principalmente, que a tornam uma área privilegiada. Uma é o fato de ter, na fase de maturação das uvas, noites frescas, devido à altitude elevada, que chega a 600 ou 700 m acima do nível do mar. Isso faz com que as uvas amadureçam lentamente, proporcionando aromas finos e delicados. A outra é que, pela presença de chuvas, não há excesso de insolação. Pode não ser o melhor para os tintos e brancos normais, mas as uvas apresentam uma quantidade de açúcar natural ideal para os vinhos base dos espumantes, preservando ainda um bom nível de acidez.

 

Como faz para compensar as dificuldades de clima da Serra Gaúcha?

A gente consegue lidar com o excesso de chuvas fazendo um trabalho intenso no vinhedo. Hoje está mais do que claro que não é conveniente usar o sistema tradicional de plantio em latada, pois os cachos ficam por baixo do teto de folhas, há muita umidade e pouca penetração da luz solar. É melhor adotar o sistema vertical, de espaldeira ou lira, que limita a produção, mas aumenta a qualidade. Os cachos ficam bem expostos ao sol, facilita a ventilação e evita as podridões, resultando em uvas mais maduras e sadias.

 

Como se comportam a Pinot Noir e a Chardonnay no Sul?

Eu diria que estas duas castas se adaptaram muito bem na Serra Gaúcha, com destaque para a Pinot Noir. A gente consegue regularidade de produção e qualidade. Estamos falando de Pinot Noir vinificada em branco, para espumantes. Para a produção de um vinho tinto, seria necessário colher a uva mais tardiamente, para alcançar maior maturação. O problema é que a Pinot Noir tem tendência a apodrecer com mais facilidade. Para o espumante não é necessário esperar tanto, pois não precisamos de vinho base com gradação alcoólica elevada. A Chardonnay também vai bem, embora seja um pouco mais complicada de se manejar e menos regular quanto à produção.

 

Por que a Riesling Itálico vai bem no Brasil?

A Riesling é uma espécie de uva emblemática da Serra Gaúcha, um dos poucos lugares do mundo onde é usada na produção de espumantes naturais. Veio da Itália, onde é uma casta branca secundária, e está aqui há desde a década de 1930. Adaptou-se muito bem e é regular na qualidade e na produção. Sozinha ela mostra algumas carências, especialmente no meio de boca e persistência final. Seu forte é a refrescância inicial e o toque cítrico. Por isso, no nosso Chandon Brut a completamos com um pouco de Pinot Noir e Chardonnay, para reforçar a estrutura.

 

Quais as principais características do espumante natural brasileiro?

Acho que o nosso Chandon Brut reflete bem o que é o espumante natural brasileiro. Tem como características a leveza, o frescor e o frutado. Se a gente compara com o champagne, vemos que este é outro estilo, com mais potência, vinosidade e corpo. Temos que pensar nas condições em que tomamos o espumante. No nosso clima quente funciona muito bem beber algo frutado, leve e refrescante. De modo geral, o espumante nacional tem uma ótima espuma, borbulhas finas e várias tonalidades de cor, de um verdeal intenso até um amarelo mais dourado. É frutado, com frutas amigáveis, fáceis, como os cítricos frescos, maçã verde, abacaxi e toques a flores brancas. No paladar, mostra refrescância e maciez.

 

Qual é o gosto médio do brasileiro para espumantes naturais?

As pessoas que não têm o hábito de beber sempre o espumante natural se agradam dos estilos mais doces, do tipo demi-sec ou meio seco, não muito forte em açúcar, como os Moscatéis Espumantes, que fazem muito sucesso no país. No caso da Chandon, o que mais se vende é o Brut, mas é preciso manter o equilíbrio, especialmente no caso da refrescância.  Se ela é evidente demais, as pessoas acham o vinho um pouco amargo, levemente desagradável.

 

Por que a Chandon não produz mais vinhos tintos e brancos normais?

A empresa está festejando seus 30 anos de fundação. No início, houve oportunidade para trabalhar com tintos e brancos normais. Aos poucos, começou-se a perceber que a região é realmente abençoada para a produção de espumantes de qualidade. É incrível como os técnicos franceses, como o enólogo Philippe Coulon, diretor mundial de Enologia da Moët & Chandon, puderam vislumbrar isso tanto tempo atrás. A experiência só confirmou esta percepção. No caso dos tintos e brancos, não havia regularidade. Em um ano, o clima ajudava e havia vinhos bons. No ano seguinte, as condições eram desfavoráveis, com vinhos de qualidade baixa. Já o espumante sempre se sai bem e consegue manter a regularidade. Em 1998 a Chandon resolveu assumir isso e decidiu produzir somente espumantes naturais.

 

Quais as principais diferenças entre o Chandon Brut normal e o Excellence?

São dois produtos de estilos totalmente diferentes. O Chandon Brut é o típico espumante natural da Serra Gaúcha, feito especialmente para o paladar brasileiro. Já o Excellence é um exercício de Alta Costura. Buscamos o que a região pode dar de melhor no estilo de vinho espumante natural. Não imitamos o champagne francês, mas ele é nossa inspiração. Vemos que os grandes espumantes mundiais se baseiam na Pinot Noir e Chardonnay e apoiamos nosso trabalho nestas duas variedades, especialmente a Pinot Noir. No Excellence entram apenas uvas de nossos próprios vinhedos, super selecionadas, vinificadas separadamente e que passam por outra seleção rigorosa na hora do assemblage. Esse cuidado resulta em um vinho que tem complexidade, potência e maior concentração, sem perder a marca registrada da Chandon, que são a fineza e a elegância.

 

Como estão os espumantes nacionais, comparados aos de outros países?

O espumante natural brasileiro, e isso não é só mérito da Chandon e sim de todas as boas vinícolas da Serra Gaúcha, tem condições de competir diretamente com os grandes espumantes do mundo. Por suas características próprias, de leveza, frutado e frescor, que outros não costumam ter, torna-se um vinho agradável e fácil de beber.

 

Quais os planos da Chandon para o futuro?

Hoje o nosso grande desafio é continuar crescendo, sem perder a qualidade. Não estamos atrás de volumes. Acreditamos que ainda temos espaço para aumentar a qualidade e o que melhor ilustra isso é o Excellence. A procura desse espumante no mercado é o dobro do que podemos oferecer. Trabalhando mais o nosso vinho reserva especial, melhorando a Pinot Noir e a Chardonnay, estaremos beneficiando igualmente os demais produtos da nossa linha. Na virada do milênio também tivemos oportunidade de fazer a renovação dos vinhedos de Riesling Itálico, com clones selecionados. Estas vinhas já estão entrando em produção, o que representa mais qualidade para o Chandon Brut.

 


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