Chile, campeão de vendas no Brasil, tenta agora emplacar mais vinhos premium
O Chile, maior fornecedor de vinhos importados para o Brasil, despeja aqui todos os anos milhares de litros de tintos e brancos das linhas básicas, de apelo popular. Domina 44% do nosso mercado. O país quer mostrar agora que também produz rótulos de grande qualidade e tenta ampliar sua participação nesse nicho especializado, ou seja, crescer também em valor. Esse foi o tema do 9º Tasting Wines of Chile realizado esta semana em São Paulo, onde foi possível provar realmente alguns super vinhos.
Desta vez, 34 vinícolas participaram do evento, apresentando seus vinhos premium para um público convidado. O ponto alto foi uma degustação de 10 brancos e tintos top produzidos por diferentes casas em diversos vales, como uma amostra do que de melhor o Chile produz atualmente. A seleção foi feita pelo conhecido sommelier Manoel Beato, do grupo Fasano, que fez sua apresentação para jornalistas e profissionais da área junto com representantes das empresas envolvidas. Na lista estavam, entre outros, os espetaculares branco Tara White Wine 1 Chardonnay 2016, de Viña Ventisquero, e o tinto S38 Cabernet Sauvignon 2016, da Casa Silva.
“O Brasil é o quinto mercado mundial para os vinhos chilenos e uma das nossas prioridades”, informou Angelica Valenzuela, diretora comercial da Wines of Chile, na abertura do encontro. Os números, de fato, são marcantes. As empresas chilenas lideram as vendas aqui há 17 anos, desde 2002. No ano passado, entregaram 51,4 milhões de litros de vinho, três vezes mais que Portugal, o segundo colocado no ranking – 17,8 milhões de litros, 15% do total – e que a Argentina – 15,9 milhões de litros, 13% de participação. No primeiro semestre deste ano, as vendas chilenas de vinho no Brasil cresceram 11% em volume e 4% em valor.
Grande diversidade
O sucesso se deve a vários fatores. O Chile oferece bons e ótimos vinhos em todas as faixas de preço, e mantém a regularidade ano após ano. Por suas características físicas e geográficas, o país apresenta uma impressionante diversidade de vales e terroirs, e consegue traduzir cada um deles em tintos e brancos com personalidade própria.
Como se sabe, o Chile é uma tripa de terra, comprida e estreita, com 4.200 km de norte a sul e largura que varia entre 400 km e apenas 90 km – nesse ponto, a distância entre São Paulo e Santos. De um lado, a Cordilheira dos Andes, e de outro, o Oceano Pacífico, por onde passa a fria corrente de Humboldt. Entre eles, inúmeros vales e a Cordilheira da Costa. Os vales se sucedem de cima para baixo, do árido deserto do Atacama, ao norte, até o gelado extremo sul – Elqui, Limari, Aconcagua, Casablanca, San Antonio, Maipo, Cachapoal, Colchagua, Curicó, Maule, Itata, Bio Bio e Malleco.
Além das diferenças de latitude, há importantes variações de leste a oeste. Muitos desses grandes vales se subdividem em áreas especiais, com microclimas próprios que dão origem a vinhos marcantes. Aconcagua, por exemplo, tem determinadas características perto dos Andes, de clima mais quente, e outras junto à costa, que sofre a influência das brisas frias do Pacífico.
San Antonio, junto ao mar, se desdobra nas zonas de Lo Abarca e Leyda. No Maipo há Maipo Alto, Maipo Médio e Maipo Costeiro. Bastante conhecidos são ainda os subvales de Colchagua, como Apalta, Los Lingues, Lolol, Paredones e Marchigue.
Por fim, deve-se levar em conta como fator de sucesso os fortes investimentos feitos pelas vinícolas chilenas na tecnologia das adegas e, principalmente, na pesquisa de campo, para conhecer melhor os vinhedos e, dentro deles, as parcelas que dão os vinhos mais interessantes e as castas mais bem adaptadas a cada local.
Os vinhos
O 9º Tasting Wines of Chile, organizado pela eficiente equipe da CH2A Comunicação, atraiu a São Paulo 34 importantes vinícolas chilenas. A saber: Aresti, Baron Philippe de Rothschild, Bisquertt, Bodegas Tagua Tagua, Casa Silva, Casas del Bosque, Concha y Toro, Cono Sur, Cousiõ Macul, Emiliana, Indómita, Leyda, De Martino, Terranoble, El Principal, Los Boldos, Los Vascos, Montes, Morandé, Pérez Cruz, San Pedro, Santa Carolina, Santa Rita, Siegel, Tarapacá, Tres Palacios, Valdivieso, Ventisquero, Veramonte, Viña Carmen, Viña Hacienda Maule, Viña Maquis, Viña Requingua e Viñedos Marchigüe.
Entre os 180 vinhos oferecidos aos visitantes, a grande maioria rótulos premium, na faixa acima de R$ 90, destacamos alguns, que sobressaíram pela qualidade, estilo e sabor.
Tara White Wine 1 Chardonnay 2016
Ventisquero – Deserto de Atacama – Chile – Cantu – R$ 364,90 – Nota 94
Um branco vibrante, cremoso, salino e mineral, produzido nas condições extremas do deserto do Atacama, no norte chileno, o lugar mais seco do mundo. Ali a chuva não passa de 20 mm por ano, as temperaturas são inclementes e o solo é quase inviável para a agricultura, por causa da excessiva salinidade. Os enólogos Felipe Tosso, Sergio Hormazábal y Alejandro Galaz precisaram encontrar uma maneira de dominar as dificuldades, para descobrir novas possibilidades de produzir vinhos finos no Chile. Segundo Tosso, enólogo-chefe da Ventisquero, em quase todo o deserto o calor é escaldante, mas por estar perto do mar, o vale de Huasco, onde foram implantados os vinhedos, tem um clima fresco. Lá há um fenônemo climático chamado Camanchaca, uma neblina que entra pelo vale durante toda a manhã, de modo que as temperaturas são mais baixas. No verão, ela não ultrapassa 18 a 20° C. Assim que a neblina se vai, o sol aparece, seguido de muito vento, por isso nunca faz muito calor. O solo é calcário, com grande presença de sal. O projeto Tara tem 13 hectares de vinhas, das quais cerca de 3 ha. de Chardonnay, em pé franco, isto é, em que as vides são plantadas diretamente no solo, sem o uso de porta-enxertos, como usual. No caso do branco, para obtenção do mosto 50% dos cachos foram colocados inteiros e prensados com pisa a pé e a vinificação foi inteiramente natural, com leveduras indígenas, sem agregar nenhum aditivo. Depois de pronto, estagiou por 21 meses em barricas de aço inox e foi engarrafado com as borras finas, sem filtração. É realmente um vinho especial, com uma textura macia, encantadora. Os aromas lembram abacaxi, damasco e maçã verde, em meio a notas florais, salinas e minerais. Gordo, amplo, estruturado, elegante, tem ótima acidez e frescor. Dele foram feitas apenas cerca de 5 mil garrafas. A propósito, o nome Tara faz referência ao grandioso Salar de Tara, situado a 4.300 de altitude, onde grandes áreas cobertas de crostas de sal são rodeadas por imensas formações de pedras de origem vulcânica, e há lagos frequentados por flamingos, formando uma das paisagens mais bonitas do Atacama (12,5%).
Casa Silva S38 Cabernet Sauvignon 2016
Casa Silva – Vale de Colchagua – Chile – Vinhos do Mundo – R$ 350 – Nota 94
A família Silva, estabelecida há cinco gerações no vale de Colchagua, possui vinhedos em diversos sub-vales da região. Um deles fica em Los Lingues, nos sopés da Cordilheira dos Andes, de clima temperado. A abertura entre dois espigões montanhosos deixa passar uma brisa que mantém a temperatura uniforme entre os cachos. E a grande amplitude térmica, diferença de temperatura entre dia e noites frescas, também favorece a completa maturação das uvas. Os solos apresentam mescla de rochas, argila e areia. São profundos e pedregosos, com boa drenagem. É uma zona especial para Carmenère e Cabernet Sauvignon. Nesta vinha privilegiada, uma área se destaca pela fineza e qualidade dos vinhos que ali se originam. É a Parcela 38, onde nasce o Cabernet Sauvigon indicado acima. O enólogo Mario Geisse, renomado diretor técnico da vinícola, diz que as uvas chegam à adega em tão boas condições que ele faz o mínimo de intervenção, procurando não “atrapalhar” o que a natureza oferece. De fato, é um tinto soberbo. Quando pronto, amadurece por 14 meses em barricas francesas novas e o blend é feito com seleção das melhores. Nos aromas há fruta madura, como cereja e ameixa, especiarias e um levíssimo traço mentolado. Tem bom corpo, taninos macios, equilíbrio, fineza e muita elegância. Um vinho delicioso para beber já e com estrutura para melhorar na adega (14,3%).
Maquis Franco Cabernet Franc 2013
Viña Maquis – Vale de Colchagua – Chile – Domno – R$ 656,60 – Nota 93
Viña Maquis se situa entre o rio Tinguiririca e o estuário do Chimbarongo, no coração do vale de Colchagua. A localização é fundamental para o comportamento do clima. Nesta área, rodeada pelas águas dos dois rios, a temperatura média é normalmente dois graus mais baixa que nas zonas vizinhas. Os solos, de origem aluvial, apresentam manchas de cascalho em diferentes profundidades e possuem excelente drenagem. A história de Viña Maquis também é muito rica. No século XVIII as terras pertenciam aos padres jesuítas, que cultivavam a uva e produziam vinho. No século XIX, a vinícola pertenceu a dois ex-presidentes do Chile, Federico Errázuriz Zañartu e Federico Errázuriz Echaurrren – eles faziam reuniões com seus ministros na propriedade. Por fim, em 1916 Viña Maquis foi comprada pela família Hurtado e está até hoje em mãos de seus descendentes. Ricardo Rivadeneira Hurtado assumiu o comando da empresa em 2000 e logo começou a construção de uma nova e moderna adega. Mas a família preserva a tradição e a maneira natural de produzir seus vinhos. Orgulha-se de ter lançado o primeiro Caberne Franc icônico do Chile. A Cabernet Franc se adaptou perfeitamente ao terroir e tem sido a variedade emblemática da casa desde 1930. Ainda hoje está presente na maioria de seus vinhos. No caso do Maquis Franco, a Cabernet Franc vem de uma parcela especial do vinhedo e predomina na composição do tinto, na proporção de 94%, temperada por 6% de Cabernet Sauvignon. Com estágio de 14 meses no carvalho francês, o vinho mostra boa intensidade de aromas, em que aparecem figo seco e cassis, junto com notas florais, de anis e especiarias. Na boca equilibra potência e finesse. Tem corpo médio e boa estrutura, tudo balanceado por taninos maduros, macios, e ótima acidez. É elegante, intenso, delicioso (14,5%).
La Cancha Cabernet Sauvignon 2015
De Martino – Maipo – Chile – Decanger – R$ 275 – Nota 92
Nos últimos anos, a bodega De Martino destacou-se por adotar uma série de medidas depois seguidas por outras vinícolas chilenas – vinhos com menos álcool e madeira, mais fáceis de beber. Sob a inspiração do talentoso enólogo Marcelo Retamal, a empresa deu ênfase aos vinhedos orgânicos, passou a usar apenas leveduras indígenas e a colocar seus vinhos top em grandes toneis (foudres) e não mais em barricas pequenas. Uma mudança e tanto, que se reflete também no excelente La Cancha, da linha Single Vineyard. A vinha onde nasce fica na zona de Isla de Maipo e foi plantada em 1999, em solos aluviais, cheios de cascalho, com mudas obtidas por seleção massal. O tinto traz boa fruta vermelha nos aromas, lembrando cereja, além de especiarias. Encorpado, tem taninos firmes, maduros, equilibrados pela acidez e frescor. Uma curiosidade: recebeu esse nome, porque no local onde hoje está o vinhedo havia antes um campo (cancha) de futebol (13,5%).
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