Com prazo para deixar a Aveleda, Cristiano Van Zeller vai desenvolver a própria empresa, dona de marcas como CV e VZ

Com prazo para deixar a Aveleda, Cristiano Van Zeller vai desenvolver a própria empresa, dona de marcas como CV e VZ

Cristiano Van Zeller: novos projetos

Termina no final deste ano a participação de Cristiano Van Zeller na administração da Quinta Vale D. Maria, uma das vinícolas mais conceituadas do Douro, em Portugal. Em 2017 ele vendeu a propriedade, herdada da família de sua mulher, aos primos Guedes da gigante Aveleda, maior produtor da vizinha região dos Vinhos Verdes.

Pelo acordo, Cristiano tornou-se acionista minoritário da Aveleda e passou a ocupar-se dos vinhos de gama alta do grupo. Sua filha Francisca, que o ajudava na parte comercial, atua agora do setor de comunicação e marketing dos rótulos premium da holding e deve continuar no cargo mesmo após a saída do pai. A partir de 1º de janeiro próximo, Cristiano pretende dedicar-se à empresa pessoal, a Van Zellers & Co., e às marcas de que mantém a posse, como os premiados CV – Curriculum Vitae e VZ.

Todas estas informações foram dadas por Cristiano Van Zeller em uma entrevista coletiva realizada ontem (21) pela Internet, como convém nestes tempos de isolamento por causa do novo coronavírus. O Bate Papo virtual foi organizado por Fernanda Fonseca, especialista em comunicação ligada a vinhos. Cristiano estava em sua casa na cidade do Porto.

A Quinta Vale D. Maria, com 45 hectares de terras, situa-se no vale do rio Torto, afluente da margem esquerda do rio Douro, na sub-região do Cima Corgo. Fica junto à estrada que leva a Ervedosa e S. João da Pesqueira. Produz ótimos vinhos de mesa e Vinhos do Porto de categoria. A compra da empresa pela Aveleda deu força ao projeto da família Guedes de investir em vinhos da gama superior.

 

Apostas da Aveleda

A bela Quinta da Aveleda, perto de Penafiel

De fato, a Aveleda era mais conhecida pela oferta de rótulos de apelo popular, produzidos em larga escala, como o Casal Garcia. No total o grupo entrega ao mercado cerca de 19 milhões de garrafas por ano. Segundo Cristiano Van Zeller, nos últimos anos a empresa, comandada pelos primos António Guedes e Martim Guedes, integrantes da 5ª geração da família, viveu intensa remodelação, abrindo espaço para pequenas aventuras com foco na qualidade.

Entre outras coisas, a Aveleda passou a valorizar os Vinhos Verde brancos feitos com Alvarinho e Loureiro, as castas mais promissoras da região. As duas, por exemplo, brilham na linha premium que leva o nome Quinta da Aveleda e nos melhores varietais da casa.

Cristiano também contou que até o final do ano deve ser lançado o novo top da empresa, o Vinho Verde Manoel Pedro Guedes, blend de Alvarinho e Loureiro das melhores parcelas dos vinhedos da Aveleda. O nome é homenagem ao patriarca Manoel Pedro Guedes, que fundou a vinícola em 1870 ao se mudar para a bela e centenária Quinta da Aveleda, situada nas proximidades de Penafiel, no Norte do país.

A empresa tem perto de 500 ha. de vinhas

Hoje a Aveleda possui cerca de 500 hectares de vinhas e está presente em quatro regiões vinícolas portuguesas. Tem 400 ha. na zona dos Vinhos Verdes. Na Bairrada é dona da Quinta da Aguieira, com 21 ha.; no Douro detém 90 ha. em duas propriedades, uma no vale do rio Sabor, no Douro Superior, e a Quinta Vale D. Maria; por último, comprou a Villa Alvor, de 14 ha., em Alvor, Portimão, passando assim a também produzir vinhos na região do Algarve, no extremo sul do país. Aqui no Brasil os vinhos do grupo Aveleda são distribuídos pela importadora paulista Interfood.

Com a aquisição da Quinta Vale D. Maria a família Guedes pôde avançar o antigo sonho de produzir vinhos de qualidade no Douro, uma das regiões mais prestigiadas de Portugal. Um primeiro passo foi dado em 2015, com a compra da propriedade Seis Quintas Martue, na área de Torre de Moncorvo, vale do rio Sabor, no Douro Superior, com 40 hectares e uma adega. A incorporação da Quinta Vale D. Maria coroou o projeto.

 

Van Zellers & Co.

A propriedade, no vale do rio Torto

A família Van Zeller, de origem holandesa, está ligada ao mundo dos vinhos no Douro desde que chegou a Portugal, no final do século XVIII. Mas segundo Cristiano, se contar alianças anteriores, pelo casamento com portugueses, a linha de tempo chega a 1620, sendo ele então representante da 15% geração de parentes associados ao Vinho do Porto.

Diretamente, a família era dona da Quinta de Roriz e atuava no mercado do Vinho do Porto por meio da empresa Van Zellers & Co., vendida no século XIX e recomprada pela família no século XX. Muita coisa aconteceu até a firma passar às mãos de Cristiano Van Zeller.

Em 1930, o avô dele, também de nome Cristiano Van Zeller, se casou com Rita Vasconcelos Porto, herdeira da Quinta do Noval. Assim esse verdadeiro monumento da vinicultura portuguesa incorporou-se ao patrimônio do clã. O avô morreu muito jovem, em 1937 e, quatro anos depois, o bisavô se foi. Cristiano conta que nessa época houve uma separação. Seus pais ficaram com a Quinta do Noval e os tios, com a Quinta de Roriz.

No final dos anos 1970 Cristiano estudava Engenharia Industrial na Espanha e voltou para Portugal para fazer Engenharia Civil. Não terminou nenhum dos dois cursos, pois seu pai morreu em 1979 e dois anos depois ele precisou trabalhar na Quinta do Noval. Nessa mesma época um grande incêndio destruiu os escritórios, metade da produção e boa parte dos armazéns da vinícola.

Em 1982 morreram os outros tios que administravam a empresa e assim Cristiano, com apenas 23 anos, viu-se sozinho à frente do Noval. Com esforço e trabalho, conseguiu recuperar a vinícola. Por volta de 1987, a família concordou em reunificar o patrimônio, integrando na Van Zellers & Co. as Quintas de Roriz e do Noval.

Mas cinco anos depois, em 1992, tudo mudou com a decisão dos parentes de vender o Noval ao grupo francês Axa. Os primos de Cristiano mantiveram a posse da Quinta de Roriz e também da Van Zellers & Co. – esta, sem ativos, apenas o nome e a marca.

Cristiano passou então a envolver-se com o projeto de amigos no Douro. Participou da implantação da Quinta do Crasto, da família Roquette, em 1994. Pouco tempo depois, do desenvolvimento dos vinhos da Quinta do Vallado, da família Ferreira. Foi o embrião do grupo Douro Boys, que revolucionou a produção de vinhos de mesa na região.

Em 1996, Cristiano e sua mulher, Joana Lemos, compraram dos parentes dela a Quinta Vale D. Maria. Pequena, com 10 hectares, e meio abandonada, tinha grande potencial para vinhos de qualidade. Ganhou fama logo ao apresentar seu primeiro tinto, um ano depois, vinificado pelo amigo Dirk Niepoort, outro integrante dos Douro Boys. Aos poucos o casal adquiriu mais terras no vale do Torto, até chegar aos 45 ha. finais.

Enquanto isso, a Van Zellers & Co. permanecia sem atuação. Até que em 2006, João Van Zeller, dono da Quinta de Roriz e da antiga empresa familiar, ligou para o primo Cristiano perto do Natal e ofereceu-lhe a firma e a marca de presente. Como não havia estoques, somente o nome, Cristiano refez a Van Zellers & Co. do zero.

 

Vinhas velhas

Cristiano e a filha Francisca

As coisas se misturavam um pouco, mas em paralelo ao trabalho na Quinta Vale D. Maria, Cristiano começou a consolidar também o portfólio da Lemos & Van Zeller e da Van Zellers & Co., que ele pretende desenvolver e ampliar ao deixar a Aveleda.

No Bate Papo virtual comandado por Fernanda Fonseca Cristiano ressaltou que ele e a mulher, Joana Lemos, possuem adega em São João da Pesqueira, no Cima Corgo, e 15 hectares de vinhedos próprios em diversas pequenas propriedades, sempre com vinhas velhas, cada vez mais raras no Douro, plantadas com castas misturadas.

Na maior parte (14 ha.) predominam as uvas tintas, como no Vale do Torto, no Pinhão e em Valença do Douro. Na zona de Murça o casal tem 1 ha., com castas brancas.

Um ótimo exemplo dos tesouros guardados pela família é a propriedade de onde sai o CV Curriculum Vitae tinto. Com apenas 3,5 hectares, no interior do vale do rio Torto, tem vinhas antiquíssimas, algumas com mais de 100 anos, todas com boa exposição solar, viradas a Norte.

A propriedade foi comprada em 2003. Até então, a vinícola da família produzia o tinto Quinta Vale D. Maria e Vinho do Porto. Ao colher as uvas da nova quinta, Cristiano achou que valia a pena fazer a fermentação em separado. Francisca Van Zeller, a única mulher entre os três filhos de Cristiano e Joana, contou certa vez à Revista de Vinhos (Essência do Vinho) de Portugal a história, bem curiosa. Lembrou que o pai, ao provar o tinto, disse: “Uau, este vinho fica bem no meu currículo”. Nasceu assim o CV, hoje apresentado nas versões tinto e branco.

O CV tinto sempre mereceu notas elevadas dos críticos internacionais. Cristiano e Joana (donos da Lemos & Van Zeller) também fizeram sucesso com os tintos VZ, com destaque para o VZ 15 Gerações 2013, lançado para lembrar os séculos de ligação da família com o Porto e o Douro.

Além de vinhos de mesa, a Van Zellers & Co. produz também uma gama completa de Vinhos do Porto, para honrar a tradição familiar. Para os Vintage, as uvas vêm da vinha Alampassa, que tem 40 anos. Cristiano planeja ampliar a produção e promete até oferecer um Porto com blend de safras antigas, em homenagem à centenária ligação dos Van Zeller com este nobre vinho português.

Até recentemente, os rótulos CV eram comercializados no Brasil pela Grand Cru, mas o estoque se esgotou e a distribuidora não fez novos pedidos. Cristiano Van Zeller está agora em busca de novo importador.

 


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