A Guaspari cresce
Compra de mais equipamentos, maior espaço para a área de tanques de fermentação, novas parcelas de vinhedo que entram em produção. A pequena vinícola paulista Guaspari está crescendo. Situada em terras de altitude da Serra da Mantiqueira, no município de Espírito Santo do Pinhal, Nordeste de São Paulo, junto à divisa com Minas Gerais, a jovem empresa colhe os frutos de um trabalho sério e bem planejado, que desde o início resultou em vinhos de qualidade. Oferecia 50 mil garrafas por ano. Agora, deve chegar a 100 mil e pretende alcançar o dobro disso. Seu cartão de visita são os tintos Syrah Vista do Chá e Syrah Vista da Serra, mas hoje o portfolio da Guaspari abre espaço também para bons brancos, para uma nova linha de rótulos de entrada, a Vale da Pedra e, em breve, para uma série super premium.
Tudo isso aconteceu em apenas 10 anos, pois seus primeiros vinhedos foram plantados em 2006. É uma bela história. A família proprietária, vinda do agronegócio e de investimentos em mineração, comprou em 2002 890 hectares de terras de duas antigas fazendas de café na chamada região da Mogiana, referência à estrada de ferro que ajudou a desenvolver essa parte do interior paulista. Os donos, apaixonados por vinho, logo perceberam o potencial vinícola do local. Consultaram especialistas aqui e fora, testaram diferentes variedades de uva e investiram em uma vinícola pequena e bem cuidada, com o propósito de produzir apenas vinhos de padrão elevado.
Inversão da safra
O ponto de partida foi uma aposta: inverter o ciclo vegetativo da uva e transferir a época da colheita para o inverno. Como se sabe, no Brasil o período de chuvas nas regiões sudeste e sul se concentra no verão, fase de amadurecimento dos cachos. Nos anos chuvosos, o excesso de água compromete a maturação e o estado sanitário dos grãos, levando muitas vezes o produtor a colher a uva antes de atingirem seu momento ideal. Para evitar isso, a equipe da Guaspari faz o manejo de modo a alterar o ciclo da planta. A fase de maturação se estende pelo outono e a colheita acontece no inverno, em julho e agosto, em melhores condições climáticas. Há muitas horas de sol, amplitude térmica e ausência de chuvas.
A colheita no inverno é possível devido à realização de duas podas nas plantas, ao contrário da prática habitual de somente uma. É feita uma poda de formação dos bagos, imediatamente após a colheita e, depois, uma poda de produção. Desde o início houve parceria com a Epamig, a empresa de pesquisa agropecuária do governo mineiro. Um dos consultores, Murillo de Albuquerque Regina, especialista em viticultura com PhD na Universidade de Bordeaux, na França, conhecia o processo de inversão de safra – utilizado também no Vale do Rio São Francisco, no Nordeste brasileiro. Deu certo em Pinhal. “O que define a época da colheita é a poda”, explica o engenheiro agrônomo Otávio de Luca, 26 anos, gerente agrícola da vinícola e sobrinho de Regina. “E com a irrigação se consegue a homogeneidade da produção”.
A Guaspari tem 50 hectares de vinhedos, plantados com castas tintas e brancas em altitudes que variam de 800 m a 1.200 m acima do nível do mar. É uma zona quente, mas com noites frias. A diferença de temperaturas (amplitude térmica) proporciona o desenvolvimento mais lento e seguro dos cachos, com maturação plena fisiológica (concentração de açúcares) e fenólica (taninos) da uva. Pela diferença de solos e de exposição solar, a vinha foi dividida em glebas, aqui chamadas de vistas, de acordo com o que se vê no horizonte a partir de determinado quartel. Duas delas são justamente a Vista da Serra, voltada para a Mantiqueira e com solos graníticos, e a Vista do Chá, de solo franco-argiloarenoso, que recebeu esse nome pois fica diante de uma área onde os proprietários pretendem um dia ter uma plantação de chá.
A propriedade é muito bonita. As construções remanescentes das antigas fazendas de café Santa Maria e Santa Inês foram mantidas e restauradas, pintadas em tons terrosos. Há ciprestes, jardins, vinhas, oliveiras, árvores de macadâmia e um grande lago. Lembra uma paisagem da Toscana em pleno interior paulista. A adega é pequena, mas completa. A equipe de enólogos reúne o chileno Cristian Sepulveda e a jovem Flávia Cavalcanti, contando ainda com a consultoria do experiente wine maker norte-americano Gustavo González. O nível dos vinhos reflete a qualidade da matéria prima e, certamente, a paixão da equipe, que gosta do que faz e parece se divertir com o trabalho.
Guaspari (pronuncia-se com acento no segundo “a”) é pioneira em Espírito Santo do Pinhal, mas o potencial vinícola da Mantiqueira havia sido notado já em 1819 pelo botânico francês Auguste Saint-Hilaire, que visitou nosso país. No lado mineiro, bem perto dali, há mais tempo se desenvolve a produção de vinhos em Andradas, Três Corações e Três Pontes. São novas áreas que ajudam a ampliar a fronteira vinícola no Brasil.
Vinhos consistentes
A Guaspari tem hoje uma linha premium, com o nome da vinícola. Vai lançar nova linha de entrada e mantém em repouso na adega alguns vinhos que devem compor uma futura série super premium, como um tinto blend. Na visita, realizada em abril, provamos seis vinhos, que mostram grande consistência.
Guaspari Sauvignon Blanc 2013
Com uvas do vinhedo Vista da Vinícola, é herbáceo, com aromas a aspargos e folha de tomate. Tem gostosa acidez, estrutura, bom volume de boca e frescor final. Parte foi fermentada em tanque de inox, parte em ovo de concreto e parte em barricas de 600 litros, onde ficou por 12 meses. (14%). R$ 98 – Nota 90/100
Guaspari Syrah Rosé 2015
Rosado claro, sem madeira, lembra ao nariz frutas como groselha e morango, com notas florais (tem 5% de Viognier). Leve e frutado, fácil. Na próxima safra a equipe pretende colher um pouco antes, para aumentar a acidez. (14%). R$ 98 – 88/100
Guaspari Viognier 2015
Volumoso, estruturado, encorpado, seco, nada enjoativo e com grande frescor, tudo o que um bom branco deve ser. Com uvas da parcela Vista do Bosque, foi fermentado em barricões de 600 litros de carvalho francês novo, onde ficou por 10 meses. Os aromas ricos trazem notas florais, de mel e baunilha, em base a pêssegos e cítricos. A uva se adaptou bem à região, como a Syrah, também originária do Rhône francês. Será lançado em breve. 14% – 90/100.
Vale da Pedra Tinto 2015
Da nova linha de entrada, é feito com predominância de Syrah. Mostra notas florais, em meio a cassis e cereja. Frutado, em corpo médio, é gostoso e fácil de beber. R$ 75 – 88/100
Guaspari Syrah Vista do Chá 2012
Do vinhedo a 1.140 m de altitude, estagia por 20 meses em carvalho francês novo. Nos aromas há cassis e cereja, com notas florais, a violeta, de eucalipto e cedro. Equilibrado, longo, taninos maduros, é um tinto delicado, bem feito, com textura macia e frescor. 14% – R$ 148 – 90/100
Guaspari Syrah Vista da Serra 2012
Vinhas a 1.220 m de altitude, repousa por 20 meses no carvalho francês novo. É um tinto estruturado, elegante e macio, com grande presença. Ao nariz recorda cassis, com notas de chocolate e pimenta preta. Carnudo, agrada pelo conjunto harmonioso. 14,05% – R$ 148 – 91/100
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